sexta-feira, 26 de junho de 2020

Hoje, depois de alguns anos (pelo menos três), vi uma foto sua. Notei que está mais careca e os poucos fios que sobraram, junto com a barba, estão quase completamente brancos.
Notei as rugas nos olhos, notei a pele do pescoço mais flácida, já mais parecida com a pele do seu pai do que com a pele do seu filho. Fiquei olhando por alguns minutos e constatei o óbvio: você tá velho.
Fui invadida por uma sensação de remorso, saudade e raiva. E chorei um tanto. É sempre esse mix. Sempre. Às vezes, tem um pouco de culpa também, mesmo sabendo que eu não sou culpada de coisa alguma.
Você quem escolheu. Quem não me escolheu.
E se hoje te falta brilho nos olhos, como pude notar, se seu sorriso é melancólico e triste, como pude notar, foi você quem quis assim.
Vi as suas mãos evidentemente ásperas, cheias de pequenos ferimentos, grossas e descascando - consequência do novo trabalho - e fiquei com pena. Senti de vontade de te dar um hidratante e aconselhar que usasse luvas.
Mas se ainda não consigo dizer pra você por que não te chamo mais de "senhor", cuidar de você é que não posso mesmo.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Carinho

Chegou do trabalho exausta.
Rotina de 7 às 17, ônibus lotado, almoço frio... Coitada.
Mas tudo bem, os dias de glória com certeza hão de chegar.
Jantou, banhou, viu dois episódios da série do momento.
Enrolou mais um tempo e finalmente se recolheu para dormir.
Resmungou sozinha: - Se ao menos eu tivesse um carinho, um cafuné... - e se enfiou debaixo das cobertas, com as luzes já apagadas.

Acordou sorrindo, se sentia extremamente confortável e relaxada, como há tempos não conseguia sentir. Pela primeira vez em vários meses não pensou em levantar correndo, atrasada, e se arrumar pra trabalhar. Quis ficar ali, deitada no quentinho cama, entre as cobertas, aproveitando o afago gentil e leve no cabelo.

Até lembrar que morava sozinha.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

- Mãe, me deixa voltar pro útero? - Supliquei assim que ela atendeu o telefone.
O choro que vinha reprimindo há dias não aceitou minha ordem de que não viesse. Eu precisava de colo, precisava de conselho, de alguém que me consolasse e atendesse.
Precisava da minha mãe.
- Você não cabe mais, - ela riu - mas ainda tenho colo.
E assim, depois de uma hora inteira de ligação, eu pude seguir meu dia, de cabeça erguida, confiante, mais serena, mais tranquila e crente de que as coisas podem melhorar.