quarta-feira, 26 de agosto de 2015

jibóia

"Menina e esses olhos bonitos? Duas petecas, tem que ter muito cuidado pra não ser atingido e não ficar atraído. Tu é que nem cobra jibóia. Tu olha e não faz nada, espera o infeliz cair aos teus pés.
É que a jibóia, no mato, ela joga feitiço na pessoas. Tu fica perdido e roda, roda, roda e cai na boca dela novo. Tem que ter as manhas, tem que usar a camisa do avesso no mato. Uma vez aconteceu comigo. Me arrepio todinho de falar, mas foi.
Tu é que nem jibóia, menina, com esse olho lindo, grande.
Agora, vomimbora que eu já sei que você tem namorado."

domingo, 9 de agosto de 2015

almoço

No fogão, eu cozinhava um macarrão ao alho e óleo e ela estava ali, parada na porta, me avaliando.
Me olhava com os olhos semi cerrados, numa expressão de quem me xingava mentalmente. Eu não podia deixar de me divertir com aquilo. Eu fazia de conta que não via, mas via. A boca reta, numa linha, o rosto sério e a mão na cintura, quase indignada pelo meu aparente descaso à sua revolta.
Eu me fazia de rogada e ria por dentro, enquanto dava mais que a atenção necessária ao macarrão do almoço.
Ergui os olhos e a encontrei me fitando. Num tom quase debochado, provocador mesmo, perguntei se ela já queria almoçar. 
E ela rolou os olhos.
Ri baixinho.
-O que é? Ainda tá com raiva de mim?
-Eu não sei se te bato ou se te beijo, sério mesmo.
-Eu voto na segunda opção.
-Então larga essa panela, pelo amor de deus.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

formato de coração

Minhas doses de felicidade, agora, consistem no cheiro do desodorante que fica no quarto depois que você sai, na camiseta que você deixa aqui e na sua bermuda perdida entre as minhas roupas.
As parcelas de alegria estão penduradas no varal junto à sua toalha de banho e no travesseiro que carrega o cheiro do seu pescoço. No remédio que você deixou pra mim no balcão da cozinha. No beijo na porta do trabalho.
Meus pequenos prazeres estão em ser acordada de madrugada, enquanto sou puxada pra perto, num abraço quente. Estão no "estive te olhando dormir e você tem um sinal em formato de coração na axila", que eu nunca tinha visto.
Minha euforia é a expectativa de te ver chegar e do beijo que carrega o nervoso da primeira vez e a segurança de todo esse tempo juntos.

incômodo

Eu, que não te vejo há meses e nem procuro ver.
Não te procuro, te evito, não vou aos mesmo lugares que você e tô bem assim. Bem demais.
Pouco me lembro do nada que restou.
Mas tem horas que é o seu maldito nome que está na ponta da minha língua, pronto pra me fazer errar, cometer enganos. Talvez criar uma confusão.
Mandar todos os meus esforços de reconstrução por água abaixo.
Me agonia e me irrita, me atrapalha, me incomoda as letras do seu nome dançarem dentro da minha boca.
Talvez leve um pouco mais de tempo até que isso pare e eu mal vejo a hora.