sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Trio, tríade, trindade

Engraçado como as coisas são.
Engraçado, eu digo, pois não achei a palavra certa pra definir.
Nós conhecemos na faculdade, temos personalidades totalmente (totalmente, mesmo!) diferentes e, ainda assim, o destino achou que seria de bom tom nos juntar. Que bom por isso!
Adoro ver como evoluímos juntas, mesmo separadas em vários momentos. Se antes as comemorações de aniversário eram sempre regadas a muito álcool, farra e libertinagem desregrada, hoje tomaram um rumo extremamente oposto.
Não que antes fosse ruim. Era ótimo. Naquele momento.
Gosto de ver nós três, hoje, como três jovens senhorinhas, sóbrias (!), uma bebê deliciosa no colo e um amor que nos une, sentadas em volta de uma mesa, rindo e brincando, sem ressentimentos do passado e sendo felizes, com menos álcool e mais tranquilidade num jantarzinho em família.
Gosto das coisas que usamos pra nos presentear: livros, diários, cadernos de desenhos; sempre tentando incentivar o melhor e o talento de cada uma.
Gosto de ver que meus filhos serão bem amados por elas e que estarão em boas mãos na minha ausência.
Gosto de ver que tenho pra onde correr e que nenhuma das duas jamais faltarão para comigo.
Gosto mesmo dessa tríade de pseudo artistas que somos: duas quase escritoras e uma quase desenhista.
Gosto mesmo das minhas meninas!

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Freak

Acordou num pulo, ofegante, suada, molhada entre as pernas. Era a primeira vez que tinha um sonho erótico.
Um par de mãos que corriam por seu corpo com firmeza, sabendo onde tocar pra lhe oferecer prazeres intensos. Línguas - sim, mais de uma - lhe lambiam, por toda parte ao mesmo tempo, bocas que lhe beijavam com voracidade. Ela ainda podia sentir os hálitos quentes daquelas bocas em seu rosto. Curiosamente, havia cheiro de saliva debaixo do seu nariz.
Jamais tinha tido um sonho desses. Estava envergonhada, achava que Deus a julgaria por isso. Extremamente religiosa, ainda era virgem aos vinte e quatro anos, mal havia beijado na boca antes, quanto mais feito sexo. E aquele sonho era um pecado pra ela.
Ainda assim, contrariou a si mesma tocou-se e sentiu como estava encharcada, ao mesmo tempo que sentiu um arrepio e seus músculos contraindo num reflexo. Tirou a mão de dentro da calcinha tentando afastar os pensamentos tão impuros que insistiam em permanecer.
Seu sexo latejava, praticamente implorando para que continuasse sendo estimulado, como no sonho.
Voltou a mão para dentro da calcinha e devagar, ainda relutante, massageava seu clitóris em movimentos circulares. Não demorou muito pra que se entregasse aos prazeres da carne e simplesmente parou de pensar. Que Deus a perdoasse pela masturbação depois.
Seu dedo do meio deslizava para cima e pra baixo, de um lado para o outro, hora lentamente, hora com rapidez, por toda a vulva. Estava quente, melada, respirava tão ofegante como quando acordou. Intensificou os movimentos e não demorou a gozar, deixando escapar dos lábios entreabertos um gemido contido.
Ficou deitada, olhando pro teto escuro do quarto enquanto seu coração desacelerava, sentindo um misto de culpa e euforia. Num ato ousado para ela, levou o dedo à boca, sentindo seu próprio gosto.
Passados alguns longos minutos, sentindo-se recuperada dos formigamentos em forma de pequenas descargas elétricas nas pernas, virou de lado, afim de alcançar o abajur na mesinha de cabeceira, ao lado da cama.
Uma luz amena irradiou do abajur, sem agredir a visão, até que se acostumasse com a claridade. Aos poucos, a vista foi se adaptando e ela conseguiu identificar as formas do quarto novamente. Sentou-se na beirada da cama, com intenção de ir ao banheiro se limpar. Ao se pôr de pé, sentiu um líquido quente descer por suas pernas como cachoeira. A visão era tão perturbadora, que mijou-se no mesmo instante.
Sentado na cadeira, de frente para a sua cama, uma aberração a encarava. Aberração era pouco. Não havia nada que pudesse descrever o que era aquilo, nada que pudesse descrever o terror que chegava a doer em seus ossos.
Maliciosas, as bocas sorriam. Um corpo de homem nu da cintura para cima e uma calça aberta na altura do pênis.
Um homem. E duas cabeças. Assim, exatamente como Bette e Dot Tattler.
O ar lhe foi arrancado dos pulmões e ela não conseguia proferir uma só palavra. Caiu sentada na cama novamente, sem piscar, sem conseguir desviar os olhos daquilo, enquanto os dedos dos pés estavam mergulhados em uma poça de urina. Achou que estivesse sonhando, achou que fosse a punição imediata de Deus por seu pequeno ato libidinoso. Achou que o próprio Diabo veio lhe buscar para o inferno. Tantos pensamentos em tão pouco tempo...
"Sabe", uma das cabeças, a da direita, começou a dizer enquanto segurava o próprio o pênis - a outra cabeça mantinha a expressão de prazer enquanto se masturbava - era um pênis pros dois? O que merda era aquilo? - "nós íamos nos contentar em apenas brincar com você enquanto dormia, mas você acordou". Então não havia sido um sonho, as bocas, as línguas, as mãos! Era ele. Eles. Estava tão desesperada que sentia seu coração ameaçar saltar pela boca e, ao mesmo tempo, sua pressão cair.
"Você acordou e começou esse showzinho tão delicioso que resolvemos ficar pra assistir", era a vez da Esquerda falar. "Você se divertiu? Quer mais? Podemos te dar mais", se levantaram.
Ela se encolheu na cama, de olhos fechados, esperando que quando abrisse, eles não estivessem mais ali e fosse tudo um pesadelo. "Imagine", tornaram a dizer, "todos os prazeres que duas bocas podem lhe dar" e caminhavam em direção à cama.
Cobriu a cabeça com o cobertor e se fez silêncio. Achou que tudo tinha acabado quando duas mãos lhe puxar pelas pernas.
E essa foi a última coisa que sentiu antes de acordar num hospital psiquiátrico, amarrada pelos pulsos e tornozelos.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Bolo de pote e pizza

Eu pensava que relacionamentos eram fáceis. Mas já devia saber que não eram, lá pelos nove ou dez anos, quando via meus pais brigando. "Eles não se gostam", eu pensava. "Eu vou gostar do meu marido", eu profetizava.
Como se o gostar fosse suficiente.
Cheguei na famigerada adolescência. Meus pais se suportavam cada vez menos.
Além do exemplo diário de "como não ser um casal e traumatizar seus filhos pra todo o sempre", eu via outros casamentos ao meu redor ruirem. Ou casais vivendo sob os escombros do que, em tempos passados, foi uma união feliz e, ou não se separavam por causa da religião, ou já estavam velhos demais pra isso, ou não saberiam viver de outra forma que no fosse no seu inferno pessoal, onde atormentar o outro e ser atormentado por ele era um estilo de vida doentio e prazeroso.
Atravessei a adolescência inteira dizendo que nunca ia me casar e deus-me-livre-um-homem-mandando-em-mim. Minha mãe dizia que eu estava errada. Em dias ruins, graças a minha inutilidade doméstica (inútil por não gostar de fazer e não por não saber fazer), minha mãe ou meu pai revezavam as vezes em que diziam "se não aprender a cuidar da casa direito, vai apanhar do marido! Você vai ver como é bom ter menino chorando no seu pé, casa pra limpar, comida pra fazer e um homem que chega a noite e quer tudo pronto". Pois ele que limpe ou pague uma empregada então, eu pensava. Além do quê, nunca vou me casar. Deus me livre esse inferno. Casamento parecia até punição.
Pra eles, era mesmo.
Durante um período da adolescência, eu repelia tanto o sexo oposto, que todos suspeitavam que eu era lésbica (o que tava só 50% errado). Até que conheci um rapaz, meu primeiro namorado.
Meu primeiro amor!
Ou era pra ser, né?!
Eu gostava dele. E ele de mim. Muito mais ele de mim do que eu dele. E aí ele planejou nosso casamento durante nosso curto ano juntos, escolheu nome dos nossos dois filhos e nem sequer pude opinar.
Então relacionamento é isso?
Assim eu não gostei.
Toda vez que ele falava do casamento, eu não conseguia me empolgar. Fosse por ter consciência de que tinha só 18 anos e aquilo era bobagem ou por que já tinha posto na cabeça que não casaria e não tinha coragem de dizer a ele ainda. Eu até gostava dele, mas não gostava o suficiente.
Cansei! Mandei tudo ao espaço e entendi por quê separações são difíceis. Se em tão pouco tempo já foi um deus nos acuda (o bichinho se entregou ao pranto e seguiu numa empreitada fracassada em me reconquistar), imagina ter de se desfazer de décadas, bodas de prata e ouro, de união. "União".
Segui mais dois anos de copo sempre cheio e coração vazio, fui me tornando um cara solitário e frio, consciente de que por mais que eu me envolvesse com alguém, nunca passaria de belos amassos pelos escuros da universidade, de um beco sem saída ou de um quarto de motel. Eu nunca iria me casar e fracassar como meus pais, meus avós, tios e o casal há mais de 30 anos juntos, que eu jurava por Deus que seriam a única exceção que eu conhecia e um dia veio a tona que aquele senhor, tão gentil, tinha uma segunda família completa na cidade vizinha. Fiquei em choque. Nunca me esqueci das fotos do casamento "oficial" penduradas pelas paredes da gloriosa sala de visitas deles. Fotos em preto e branco, de tão antigas, com um ar retrô que eu amava. Um vestido de casamento lindo, que eu amava ainda mais.
Bom, se essa fosse a única esperança que eu pudesse ter sobre casamentos, ela tinha morrido.
Mas aí, num dia de bebedeira desenfreada noite a dentro, confessei, derramada em lágrimas, no ombro da minha melhor amiga, no banheiro de uma festa, que eu queria sim me casar e ter filhos e brincar de casinha e ser mamãe. Assim, do nada.
E Deus é quem sabe há quanto tempo eu vinha reprimindo tanta vontade em fazer diferente daqueles que me cercavam.
Mas junto com a confissão veio a desesperança. Eu saberia quebrar os padrões e o círculo vicioso do qual fazia parte? Ou estaria fadada a repetir os mesmo erros tão febris que não levam a nada? Eu achava, honestamente, que muito provavelmente não teria a chance de descobrir.
Tempos depois, o convite pra ser madrinha de casamento da minha melhor amiga. E aí vem a minha história favorita no mundo inteiro: eu, solteira, não queria participar da brincadeira do buquê. Não quero! Argumentei tantas vezes quanto pude, mas não houve acordo. "É claro que vai! É meu casamento, você é minha madrinha!". E eu fui.
Graças a Deus há vídeo pra comprovar a história. Muito embora eu seja tragicamente romântica (agora sem medo de assumir), eu jamais seria capaz de criar história tão maravilhosa.
Festa de casamento, todos dançam, todos cantam, se divertem, bebem. Chegou a hora do buquê da noiva. A esperança das necessitadas, o horror das de traumatizadas. Eu falei tragicamente romântica?
A noiva vendada, todas as solteironas em círculo, ansiando serem escolhidas à sorte! Gira a noiva, roda a roda. A noiva precisava escolher, no escuro, a quem dará o buquê. Passou o buquê no rosto de uma e virou as costas, passou em outra e saiu de perto. Chegou em mim... Aproximou o buquê e eu dei um passo pra trás. Ela insistiu e me agarrou pela roupa. Tirou a venda e deu pulos de alegria e surpresa. "Eu sabia que o buquê seria teu!". E eu fiquei ali, sem graça, o centro das atenções, a próxima a me casar. Ah tá, vai nessa.
E aí, eu o conheci, nessa mesma noite. Depois do buquê, lá pelas 4 da manhã. Passamos a noite inteira na mesma festa e nos conhecemos perto do fim.
Me chamou pra sair e eu aceitei, terrivelmente relutante, simplesmente por que não sabia dizer 'não'.
Duas semanas depois, estávamos namorando. E tudo o que eu não havia sentido da primeira vez, com o primeiro namorado, senti com ele. E parecia tão fácil. Eu gosto dele. O amo. E só do que precisamos pra estarmos bem.
Peeen! Errado.
Altos, baixos, altos, baixos. Um ano depois: um término. Seis meses do mais puro e simples sofrimento. Aparentemente, só amar não era mesmo o suficiente.
Ambos tivemos tempo pra reflexão, amadurecimento e etc. Um belo dia, decidimos que merecíamos uma segunda chance. E nos demos.
Aprendemos a conversar, a discutir, a respeitar (embora ainda derrapemos aqui e acolá), a ceder, a insistir, resistir, persistir. De repente, eu vi que amor era quase secundário. Respeito teria de vir antes. Paciência teria de vir antes do respeito. Teríamos que ter cuidado com a paciência. E teríamos que resistir no cuidado. E persistir no cuidado, mesmo que a vontade do momento seja mandar o cuidado pro inferno.
Logo notamos que estávamos fazendo planos pra filhos. Três é o suficiente, ele diz. Mas eu insisto que quero quatro. Ele retruca dizendo pra termos pelo menos o primeiro.
Mais planos, mais algum tempo e aí... Casamos.
"E dizia que nunca ia casar", provocou a minha mãe. E não ia mesmo não. Mas aí eu senti a esperança de que poderia ser diferente dos meus antecessores, principalmente por que o meu bonito também queria ser diferente dos seus. E também queria o mesmo que eu.
Mas, de novo, esse querer não é o suficiente se você não luta por ele.
Ultimamente, eu vejo um pessoal bem bobo dizendo que amor não é luta. Amor não é luta não, mesmo. Relacionamento é que é. Casamento então, mais luta ainda. Mas a luta não é pra mudar o outro. É pra mudar a si mesmo.
Aliás, melhorar a si mesmo. Pra si e pro outro. Relacionamento é um grande acordo nacional, com supremo, com tudo (pra você ver a dimensão do tamanho do acordo que precisa ser feito). E precisa ser uma acordo que contemple ambas as partes.
Algumas brigas entram madrugada a dentro, por que precisam ser resolvidas antes do adormecer. Outras se estendem em forma de guerra fria por dias... E aí você percebe que é tudo perca de tempo. Há coisas muito melhores a se fazer a dois.
Enquanto eu escrevia esse texto, ele chegou! Tive que parar e só puder retomar horas depois.
Completamos nosso quinto mês de casados e coincidentemente, é Valentine's day.
Ele trouxe pizza e bolo de pote pra nós. Pra comemorarmos todas as pequenas vitórias sobre as batalhas que travamos todos os dias, juntos, às vezes na marra, às vezes com tristeza, às vezes sem certeza de que seremos capazes de atravessar esse deserto munidos apenas de fé. Fé em nós, no que sentimos, no que acreditamos ser capazes ou no que já fomos capazes de fazer antes!
E aí eu relembro de todos os casamentos que deram errado que eu conheço e antes me causavam tanta desesperança. Eu olho pra eles com olhos clínicos, buscando entender o que não fazer.
A gente não tem certeza se estaremos juntos amanhã. Isso já ficou claro pra ambos. O que sabemos é queremos estar. E estamos dispostos a fazer com que estejamos. Com fé.
Não é fácil. Às vezes, as coisas vêm como epifanias na minha cabeça, como esse texto.
Relacionamentos, definitivamente, não são fáceis. Aprendi à duras penas.
Se tivermos de ser forjados no fogo, feito ferro, seremos.
Mas não sei, não. Bolo de pote e pizza parecem fazer valer a pena.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Até onde é intuição? Como identificar o que é trauma? O que é paranóia?
Como saber pra qual voz se dá ouvidos? A que fala mais alto? A que parece mais sensata? Ou a mais descontrolada?
Sair correndo sem olhar pra trás ou ficar e ser adulta?
Conceder a si própria uma nova chance ou bater o pé pois nova-chance-é-desculpa-pra-novas-merdas?
Onde eu acho resposta pra minhas perguntas?