quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

tsunami

Eu espero muito, muito mesmo, que um dia esse alguém que você aprisionou dentro de você consiga se libertar outra vez. Só me preocupo com o pontencial de destruição dessa onda que tem se afastado cada vez mais e crescido e crescido e crescido, e tem pegado força e vai levar tudo pela frente feito um tsunami.
Mas tenho ainda mais medo do que pode acontecer se esse alguém que você criou para lidar com o mundo, mate esse alguém que você é.
Quem você é é que é a parte boa, a parte que eu gosto e tanto amo. Esse personagem-escudo é frio, calculista, por vezes egoísta e esnobe e eu não sei o que fazer com ele, sinceramente. Não sei lidar.
Sinto tanta falta do alguém que você prendeu, acorrentou no dia que decidiu que ia crescer e mudou o cabelo. De lá pra cá, deixei de te reconhecer.
Esse alguém que você criou tem sufocado você, te martiriza, te mata um pouco todos os dias e isso me dói.
Com teu escudo eu não sei lutar, mas se algum dia quiser baixar a guarda, as armas e a máscara, ainda estarei aqui pra beijar teu pulso esquerdo.



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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

enxofre

Quando senti o cheiro de cigarro misturado com o meu gozo nos meus dedos, imediatamente afastei a mão do meu rosto.
Mesmo com o banho, o sabonete não venceu o cheiro que impregnou minha pele.
Afastei a mão do rosto, não porque o cheiro me desagrada, e sim pelo fato de me lembrar você e das centenas de vezes em que estive fechada num quarto de motel cheirando a gozo e cigarro.
Foi quando descobri que o inferno não cheirava a enxofre.
Tô indo lavar a mão com limão e soda cáustica.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

desculpa

desculpa se esse espaço, antes, era só teu e agora o enchi de outro alguém
o que não quer dizer nada
seu espaço ainda só seu
e eu sua

ensebação

-Porque a gente tem essa ensebação nos pés quando a gente deita?
-Não é pra ensebar, amor?
-Bom, sim. Mas você reparou que virou mania? A gente deita e fica se acarinhando com os pés...
-Sei que é bom.
-Seu pé não tá mais áspero.
-É que minha mulher cuida bem de mim.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Leio

Quando você não está, eu leio suas coisas. É o mais perto de ouvir sua voz e aplacar o mínimo possível de saudade. E não, eu não vou gastar uma ligação com você. Eu nem saberia o que dizer. "Liguei só pra ouvir sua voz." Não. Definitivamente. Não. Me recuso me entregar ao clichês, não consigo, não faz meu tipo. Então eu leio. Te leio. Te imagino. Ouço da sua voz à sua respiração. Ouço seu coração. Tudo na minha cabeça. São coisas das entrelinhas e só eu sei ler.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

vida

Nesta vida, morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu ofício.

(Vladimir M. Mayakovsky)


chuva

Na escuridão da noite, nada se via, a não ser durante as frações de segundo dos relâmpagos.
Ela achava a situação mais excitante e apaixonante ainda. Nunca sabia quando os olhos se encontrariam, que expressão de prazer flagaria.

Viu sorrisos, viu olhos fechados, viu lábios entreabertos.

Cada relâmpago trazia uma nova onda de calor e euforia.
Os corpos quentes e agarrados bloqueavam o frio que a água gelada da forte tempestade trazia.
Os gemidos, abafados pelos trovões e as gotas de chuva que escorriam pele abaixo, faziam jus a quantidade de amor que transbordava no peito.


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

cílios

o carinho sútil que seus olhos me fazem na coxa sempre que você deita a cabeça no meu colo e simplesmente pisca

capirotinho


domingo, 20 de setembro de 2015

calor


O calor é insuportável. O quarto é quente e abafado. O contato do lençol na pele faz pinicar. A pouca roupa de pijama incomoda. 
O pobre ventilador não dá conta do recado, embora o ambiente seja minúsculo e a temperatura da noite caia e se torne mais amena, na teoria, e a janela esteja aberta na esperança de uma brisa que nunca vem.
O corpo dela é sempre morno, menos durante a gripe, quando ele esfria. No mais, constantemente morno. 
O dele é quente. Perfeito para os dias frios, quando deitar no peito  nu é absurdamente aconchegante. Quente como o sangue de um cavalo. Febril. Constantemente febril.
Quando se deitam para dormir, é impossível que durmam abraçados, como sentem vontade. O suor escorre pelas dobras das pernas e braços, escorre onde as peles se tocam, se grudam. O cabelo comprido precisa estar preso pra poupar a sensação de enforcamento pelos fios que colam no pescoço.
Ela se encosta na parede fria e ele chuta o cobertor desnecessário pra longe.
Mas para se fazerem presente um ao outro, os pés se tocam. 
Sempre.

sábado, 19 de setembro de 2015


Será que ela está feliz
ou se esconde na trégua
em que não nos falamos?

Eu rezo para não ter paz
no corpo dela.
Sua boca é vinho no inverno,
figo no verão.
Seu olhar fica flutuando sozinho,
a nudez para cima, ondulada
como as linhas de uma montanha.
Expondo-se ao sol
com uma dispersão selvagem.
Não me aproximo. Não a toco.
Sua solidão é exigente
e quer tudo. Menos a sabedoria
para se explicar.

(Carpinejar)



sexta-feira, 18 de setembro de 2015

decepção

A decepção que eu acho que é sua, na verdade é minha. É só o medo de que você me veja como eu me vejo.



quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Duas infelicidades
não conseguem dialogar.
Uma pretende eliminar a outra.

Roubo teu passado para abastecer
minha memória escassa e estreita.
Sou obrigado a me inventar 
para competir com o que viveste.

(Carpinejar)

teste de gravidez

-São dores de cabeça frequentes. Às vezes a pressão cai.
-Já parou pra pensar em gravidez? Meu deus, nem acredito, vou ser tia.
-Tá louca? Acabei de sair de uma menstruação.
-Eu menstruei dois meses enquanto tava grávida.
-Tá e daí? Não tô grávida.
-Você pode estar grávida sim, senhora!!!!!
-Pode mesmo...
(Aqui você percebe que são duas doidas me enchendo a cabeça. Eu já pensava nas fraldas.)
-Olha...
-O que? Gente, não tô buchuda. Sem chance.
-Você teve enjôo?
-Algumas vezes.
-Vomitou alguma?
-Não.
-Tá sentindo muito sono?
-Só o de sempre.
-Teve diarréia? É que eu tive diarréia.
-Eu não.
-Hmmmm.
-Ela vai fazer um teste de gravidez, é muito simples.
-Não vou, gente, não tô grávida.
-Ok, se não estiver, vai dar negativo.
-Meu deus e se eu tiver????? Bateu a neura. E se for, eu tô muito fodida, puta merda caralho. Me dá outro cigarro.
-Filho não é o fim do mundo não, doidona.
-E tem que saber logo se tá ou não, pra você parar de beber e fumar e cuidar do nosso sobrinho AI MEU DEUS UM BEBÊ NEM ACREDITO.
-Não tô grávida.
-Faz o teste, cacete.
-Nunca fiz um teste de gravidez.
-Olha a oportunidade aí.
-Quando a gente sair daqui, vamos pra farmácia.
-Gente...
-Menina, faz. Pra que medo?
-Eu sei que não tô prenhe, mas sou tão azarada que é capaz de dar positivo. Prefiro ignorar, o menino nasce e eu nem sei de nada. Pra mim as coisas são assim: se eu ignoro e não sei, ela não existe. Se eu tiver buchuda, tô é morta.
-Tu não tá doida. Fuma teu último cigarro, o possível último nos próximos dois anos.
-Tua cara.

-Olha. Como é isso aqui, maninha?
-Mija aqui nesse copinho, até essa marca.
-Tu vai mijar a mão, não vai ter jeito.
Risos.

-Ok, mijei no copo e qual o lado desse palito infeliz que eu boto nesse negócio?
-Esse. Vá lá.

-Pronto, tá de molho.
-PUTA QUE PARIU (gritos vindo do banheiro. O negócio ficou de molho em cima da pia)
-O QUE FOI?????????????
-DOIS PALITOS.
-TÁ ABESTADA? EU NÃO TÔ GRÁVIDA JESUS AMADO ME SEGURA AS PERNA TÁ AMOLECENDO.
-É brinks amiga, tá não, olha lá, deu negativo.
-Maldita infeliz. Dá licença que agora eu vou cagar de nervoso.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Disseram que era difícil demais me fazer feliz.
Mas por que demônios seria fácil?

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Não está chovendo
para abaixar a cabeça.
Cogitei desistir de mim, 
mas não de ti.
Fingia morrer
como quem dorme mais cedo
e acorda quando a casa dorme.

Os dias em que
não estava contigo
são criminosos.
Falta-me um álibi
para dizer onde estava.
Há dias que não existem
porque não me convenci em nascer.
É dolorido rir sozinho,
mais dolorido do que não rir.

O lago cansa de receber pedrada.
Cogitei desistir de mim,
mas não de ti.

No final de minha desistência,
um sol estranho, teu aceno
sem endereço,
o arbusto úmido,
nossa imagem desatenta,
acredito que não é tarde
e recomeço sem memória.
Deito e penso que foi um pesadelo,
que exagerei, enlouqueci,
que não tenho roupa para o luto,
que fui duro e confundi a tolerância
com a paciência.
Saio debaixo do meu corpo,
debaixo de minha infância.
Tomo um banho
mais longo em tua respiração.
Provo o pão e o mel é sábio.
Abro bem os olhos de cada palavra,
como quem pisa em telhas.
Um dia antes de morrer,
uma hora antes de morrer,
alguns minutos antes de morrer
e ainda não será tarde.
E sobrevivo contra mim,
depois de mim,
antes de mim,
em mim.

(Carpinejar)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

jibóia

"Menina e esses olhos bonitos? Duas petecas, tem que ter muito cuidado pra não ser atingido e não ficar atraído. Tu é que nem cobra jibóia. Tu olha e não faz nada, espera o infeliz cair aos teus pés.
É que a jibóia, no mato, ela joga feitiço na pessoas. Tu fica perdido e roda, roda, roda e cai na boca dela novo. Tem que ter as manhas, tem que usar a camisa do avesso no mato. Uma vez aconteceu comigo. Me arrepio todinho de falar, mas foi.
Tu é que nem jibóia, menina, com esse olho lindo, grande.
Agora, vomimbora que eu já sei que você tem namorado."

domingo, 9 de agosto de 2015

almoço

No fogão, eu cozinhava um macarrão ao alho e óleo e ela estava ali, parada na porta, me avaliando.
Me olhava com os olhos semi cerrados, numa expressão de quem me xingava mentalmente. Eu não podia deixar de me divertir com aquilo. Eu fazia de conta que não via, mas via. A boca reta, numa linha, o rosto sério e a mão na cintura, quase indignada pelo meu aparente descaso à sua revolta.
Eu me fazia de rogada e ria por dentro, enquanto dava mais que a atenção necessária ao macarrão do almoço.
Ergui os olhos e a encontrei me fitando. Num tom quase debochado, provocador mesmo, perguntei se ela já queria almoçar. 
E ela rolou os olhos.
Ri baixinho.
-O que é? Ainda tá com raiva de mim?
-Eu não sei se te bato ou se te beijo, sério mesmo.
-Eu voto na segunda opção.
-Então larga essa panela, pelo amor de deus.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

formato de coração

Minhas doses de felicidade, agora, consistem no cheiro do desodorante que fica no quarto depois que você sai, na camiseta que você deixa aqui e na sua bermuda perdida entre as minhas roupas.
As parcelas de alegria estão penduradas no varal junto à sua toalha de banho e no travesseiro que carrega o cheiro do seu pescoço. No remédio que você deixou pra mim no balcão da cozinha. No beijo na porta do trabalho.
Meus pequenos prazeres estão em ser acordada de madrugada, enquanto sou puxada pra perto, num abraço quente. Estão no "estive te olhando dormir e você tem um sinal em formato de coração na axila", que eu nunca tinha visto.
Minha euforia é a expectativa de te ver chegar e do beijo que carrega o nervoso da primeira vez e a segurança de todo esse tempo juntos.

incômodo

Eu, que não te vejo há meses e nem procuro ver.
Não te procuro, te evito, não vou aos mesmo lugares que você e tô bem assim. Bem demais.
Pouco me lembro do nada que restou.
Mas tem horas que é o seu maldito nome que está na ponta da minha língua, pronto pra me fazer errar, cometer enganos. Talvez criar uma confusão.
Mandar todos os meus esforços de reconstrução por água abaixo.
Me agonia e me irrita, me atrapalha, me incomoda as letras do seu nome dançarem dentro da minha boca.
Talvez leve um pouco mais de tempo até que isso pare e eu mal vejo a hora.

domingo, 26 de julho de 2015

casais #2

Enquanto eles esperavam o pedido chegar à mesa, estavam calados.
Ela estava de cabeça baixa, parecia bastante cansada. O que é normal pra uma quarta-feira comum de trabalho.
Me distraí por alguns instantes e quando voltei a observá-los, os pratos haviam chego e já estavam comendo. Pareciam mais animados. Talvez o problema fosse só a fome mesmo.
O ponto alto foi quando ela pegou um guardanapo e delicadamente limpou o canto da boca dele, enquanto falava e sorria.
Ele, permanecia imóvel, como se não pudesse se mexer enquanto ela o limpava. Como uma criança às ordens.
Mas tinha um olhar carinhoso, terno, apreciando o cuidado da companheira, até que ela o liberasse para voltar a comer.

Stardust - O mistério da estrela


-Você não deseja? A eternidade. - Yvaine questionou. 
-A vida eterna? - Tristan perguntou. 
"Eu não", pensei em voz alta, enquanto desenrolava o cabo do notebook. 
-Deve ser bem solitária. - Ele respondeu à estrela caída. 
"Também acho", comentei, como se o personagem na tv me ouvisse.
-Só talvez tendo a companhia de alguém... 
"Ah bom, assim sim", concordei. 
-Que se ame.
Concordei fervorosamente. 
Nessa hora, o meu amor entrou na sala. 
Eu ainda tentava desenrolar o cabo do carregador e ele veio em minha direção. Quando chegou bem perto, envolveu minha cintura num abraço apertado, me fazendo largar o objeto no chão e deslizar minhas mãos até seus ombros. 
Me beijou de um jeito firme e calmo, intenso e delicado. 
Me beijou de um jeito... a ponto de fazer as pernas quase perderem a força.
Senti o estômago revirar, as famosas borboletas, à essas horas, já eram dragões em pleno vôo. 
Ele subiu as mãos até meu rosto e o segurou com cuidado. Apartou o beijo e me deu mais um selinho.
-Quero viver contigo só pra sempre. 
Foi o que ele disse.



sábado, 25 de julho de 2015

promessas


Aquele seria o último encontro dos dois. Ela estava decidida a por fim no relacionamento e ele a riscaria do mapa da vida dele. 

Quando ela disse que queria terminar, ele pediu um último encontro. Uma última noite juntos e depois sumiria da vida dela. 
Relutante pelo medo e pela dor que vinha acumulando havia algum tempo, ela aceitou. Achou que mereciam, em nome da história que viveram.
A princípio, a idéia era de que não houvesse clima de despedida. Não tocariam nos velhos assuntos, memórias antigas e nem na decisão que os trouxe até ali. Não seria uma viagem no tempo, segundo ele. Não ouviriam as músicas que os embalou várias vezes. Teriam mais uma noite dentro da normalidade que só cabia aos dois. 
Ele apenas queria decorá-la e guardá-la dentro dele, pois dali pra frente apagaria todas as fotos dela. E não mediu olhares, não a poupou de deixá-la encabulada. Mesmo depois de tanto tempo, ainda se orgulhava da façanha esboçando um sorriso de lado.
Falho como só ele poderia ser (e absolutamente previsível) , sentou-se de frente a ela e colocou pra tocar a mesma música da primeira vez que fizeram amor. Ela questionou a memória que a música trazia e ele rebateu dizendo que ambos eram bons em fazer promessas que não seriam capazes de cumprir.
Ele falava do que sentia e ela absorvia tudo em estado inerte. Ela não se movia, mal piscava, vez ou outra rolava uma lágrima pelo furacão sentimental que se formava dentro dela. 
Todas as certezas que a trouxeram àquele momento estavam tão firmes quanto um punhado de areia escorrendo pelos dedos. 
Tanta confusão e a aflição a deixavam perturbada.
A conexão entre o olhar dos dois era tão intensa que poderia ser facilmente tocada. A química entre os corpos é tão exata e perfeita e exclusiva que se sentiam desconfortáveis em suas cadeiras. Precisavam se tocar. Ansiavam um pelo outro. O desejo de estarem juntos e sentir o suor, o cheiro, a boca, a pele, o toque, era maior que qualquer outro sentimento no momento. Precisavam sentir-se um do outro como há muito tempo não eram. 
Ele queria ser amado, ela queria se sentir viva de novo.
Queria sensações que só ele causaria. Só ele causou em toda a sua vida. 
Ele finalmente se levantou e ela sentiu o estômago dar um nó, tamanha a ansiedade, nervoso e curiosidade em saber o que ele faria.
Parou atrás dela, afastou o cabelo e depositou-lhe um beijo na curva entre o ombro e pescoço, subiu os lábios até seu ouvido e a convidou: vem deitar um pouco comigo.
No impulso, ela fechou os olhos e sentiu todos os pêlos de seu corpo eriçados. Já não lembrava mais por quê estavam ali, só sabia que não queria que fosse mera despedida e que não terminaria. 
Ambos eram bons em prometer e não cumprir.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

mar


Sessenta anos de idade e nunca havia posto os olhos no mar. 
Só pela televisão. 
Eu via aquela imensidão azul esverdeada ou verde azulada e pensava no quão incrível poderia ser.
A curiosidade enchia meu peito de esperança e meu sonho de conhecer tamanha perfeição, fazia meu coração palpitar só de imaginar.
Quando meu filho disse que passaria as férias no litoral e eu iria junto com ele, sua esposa e a minha netinha, eu brinquei.
-Menino, assim tu mata o velho. Não tenho mais idade pra piada.
Não era piada. Íamos pro litoral, eu conheceria aquele mundo de água. 
Pela janela do carro, durante a viagem, eu observava a paisagem. O dia começava a clarear e um cheiro característico invadiu minhas narinas. 
-Maresia, pai. Tá sentindo?
Estávamos perto. 
O carro seguia pela rua principal da pequena cidade litorânea e no final de uma das ruas paralelas, vi algo que me chamou a atenção. 
Na rua da quadra seguinte, o vi de novo. Será que era mesmo? Olhei pra pequena menina e ela dormia confortavelmente esparrada pelo espaço vazio do banco. Eu queria mostrar à ela, mas parecia um crime acordá-la.
-Filhão, é o mar?
-Estamos bem perto, pai. Fica olhando. 
Fixei meus olhos pela janela. Eu queria vê-lo.
E lá estava o majestoso. 
Senti meu coração acelerar e eu queria descer do carro e correr até ele o mais rápido que a idade me permitisse.
Meu filho quis ir ao hotel primeiro, tomar café da manhã, check-in e com tempo e a bebê bem acordada, iríamos à praia.
Eu concordei um pouco desanimado, a empolgação parecia só minha. Ou talvez eu só estivesse mais animado que os demais.
Nos instalamos, tomamos um farto café da manhã. Minha nora, gentilmente, nos lambuzou de protetor solar.
-Não queremos ninguém torrado de sol, né? 
Chegamos ao calçadão e eu fiquei estático. Era muito maior que na tv. E que cheiro delicioso. Que vento maravilhoso. Balançaria meus cabelos, se ainda os tivesse.
Olhei para o meu filho, que segurava aquela boneca no colo, e nos olhos dele vi algo muito familiar. O brilho de felicidade que eu só via nos olhos da mãe dele.
Há muito tempo eu não via duas estrelas brilharem tão perto de mim daquela forma, desde que a vida me fez viúvo. Então eu sabia que a empolgação, encantamento, felicidade, curiosidade não eram só minhas. 
O vi passar a menina para o colo de sua esposa e ele rapidamente pegou na minha mão.
-Vem, pai. Vamos experimentar a água. 
Meu filho já conhecia o mar, mas sempre soube do meu desejo.
Caminhamos pela areia e ela estava tão morna... A sensação era de que meus pés estavam sendo abraçados por anjos. Beijados, massageados por eles.
Ao chegar na parte molhada, onde as ondas quebravam, eu não consegui dar nenhum passo.
As ondas iam e vinham devagar, até chegar na Beira da praia. Lavava os nossos pés, levava a areia debaixo deles, fazendo que eles afundasse um pouco. 
E era imenso. Ia até onde a vista alcançava. Eu estava embasbacado e não fazia a mínima força pra esconder minha admiração. 
-Mamãe ia adorar.
Eu ouvi a frase e o sorriso que brotou nos meus lábios, milagrosamente rejuvenescidos pelos ventos da mar (era assim que eu me sentia), foi instintivo. 
Senti uma mãozinha, pequenininha, segurar a minha mão envelhecida e cheia de marcas do tempo. A pele macia e delicada contrastava com a minha, que era grossa, calejada.
Olhei pra baixo e vi um narizinho rebocado de branco. Proteção solar. Um chapéu azul caia sobre os olhos, mas a luz forte do sol não deixavam de afetar aqueles olhinhos, que estavam apertados pelo incômodo dos raios.
-Onde acaba, vovô? 
A voz infantil perguntou atropelando as palavras. 
Me abaixei e a peguei no colo. O tempo passou voando desde o seu nascimento e de repente ela já tem quatro anos e é absurdamente esperta.
-Acaba bem longe daqui, meu amor. Bem longe.
-Longe igual a vovó tá? 
-A vovó tá bem pertinho. - Meu filho se apressou em responder, - Aqui dentro do seu coração. 
Sabe quando você quer que um momento dure pra sempre? É o que penso sempre que olho a foto que a minha nora tirou. Eu, meu filho, minha neta e a imensidão verde azulada ou azul esverdeada.



Tema do desafio: A primeira vez que alguém viu o mar. Alguém idoso.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

carta ao passado

Quando se completa 50 anos, nós bruxas, temos o direito de voltar no tempo e mudar algo em nosso passado.
Nosso clã não é imortal e cada bruxa só consegue realizar o retorno uma vez. Pouquíssimas conseguiram ir pela segunda.

Temos restrições sobre coisas que podem ser mudadas. As regras são claras: não interfira em nascimentos, mortes, acontecimentos históricos e etc etc coisa importante.
Nunca dei muita moral pra isso. Sempre fui uma bruxa avessada, dizia minha mãe. A do contra. A questionadora. Incontrolável. Quando ela voltou no passado, eu já tinha 25 anos e, acredite, a bonita voltou até minha infância e me colocou em aulas de balé. "Queria tanto uma filha mais delicada."
Hoje tenho uma boa postura, mas a delicadeza... Bom, enfim.
É incrível o que a magia pode fazer. Os homens buscam um modo de viajar no tempo através da ciência há décadas e é em vão. Pobres humanos...
Quando chegou o comunicado de que meu portal para a viagem no tempo foi liberado, fiquei animadíssima. Pra que parte do passado eu voltaria? 
13 anos, primeiro beijo? Suspende. Aquele cara... Eu poderia ter conseguido algo melhor. Lembrei dos meus 15 anos, menarca, colegial, quando eu pensava em estudar, fazer faculdade e ainda nem sabia que vinha de uma família de bruxas.
Meu caráter e minha personalidade se moldaram muito cedo, sempre fui fiel aos meus princípios. Mas coisas começaram a mudar de figura quando conheci um homem. Um humano. Minha mãe sempre me alertou sobre os perigos do envolvimento com seres tão instáveis quanto os seres humanos e eu, a do contra, nunca dei ouvidos.
Era incrível. Os humanos podiam ser imprevisíveis, intensos, faziam as coisas acontecer, já que a magia não existia no mundo deles. Toda a razão da qual se orgulhavam, a capacidade de pensar, dava espaço à instintos primitivos, animalescos, selvagens, em situações extremas. E isso me apaixonava de tal forma, que perdi o chamado bom senso para cuidar de mim, proteger minha magia.
Eu que sempre fui tão forte e dona de mim, de repente cedia aos caprichos de uma criatura que se mostrava cada vez mais egoísta e mesquinha. As coisas fugiram do meu controle.
Não que eu me arrependa de tudo o que aconteceu. Jamais. Não é do meu feitio. Eu teria entrado naquela relação, assim como entrei, mas teria feito com que algumas atitudes não fossem tomadas.

Pra ser sincera, meu histórico de relações afetivas foi um bocado conturbado.
Mas, para que época voltar? O que eu poderia mudar na minha vida? Hoje estou bem, mamãe ficaria orgulhosa de todas as minhas conquistas. Faço parte do conselho das bruxas, no mundo humano sou bem sucedida, não me casei (disso ela não se orgulharia).
O que mudar? O que mudar? A perguntava martelava na minha cabeça até o dia do ritual. 
Tudo estava pronto, o conselho estava todo presente. Eu seria punida se fizesse algo contra as regras, eu sabia, assisti bruxas viajarem no tempo centenas de vezes.
"A qual idade quer retornar?" me perguntaram e eu hesitei a responder. Forcei um pouco mais o pensamento e me lembrei do meu aniversário de 10 anos e de como eu estava empolgada em ter uma década completa de vida. Engraçado que hoje completo 50 e a sensação de décadas completas ainda existe.

Com o pensamento, me veio a epifania de que eu não mudaria nada em toda a minha vida. Que agora estou bem e não exista nada que fosse mudado e me faria sentir-me melhor. Mas há algo que eu posso fazer. Sem mudar nada e que vai dar força a mim mesma, no passado.

"Quero voltar 40 anos, por favor."


O feitiço foi lançado.

"Ventos do tempo. Relógio contrário.
Deuses do passado a levem em segurança. Que o passado se molde. Que o futuro seja manso.

Ventos do tempo. Relógio contrário. A tragam em segurança. Que o passado seja manso.
Ventos do tempo. Relógio contrário.
Ventos do tempo. Relógio contrário. 
Deuses do céu. Deuses da terra. Deuses do mar.



Ventos do tempo. Relógio contrário.

Ventos do tempo. Relógio contrário."

Cheguei ao meu aniversário de dez anos. A manhã dele, pra ser mais exata. Eu-criança ainda dormia. 
Mamãe entrou no quarto e eu não me assustei. Nem ela.
"Oi mãe. Como você está linda."
"Eu sabia que viria."


Tinha me esquecido do quanto ela era linda, de como os cabelos brilhavam, a pele parecia seda. Que saudade eu sentia do cheiro dela.
Nos abraçamos e contei-lhe sobre meu futuro. Disse à ela que as aulas de balé não me deixaram sentir dor nas costas e ela riu. Contei que fazia parte do conselho e vi seus olhos marejados. Sabia que ela se orgulharia. Falamos pouco, o tempo era curto.
"O que você vai mudar, filha?"
"Só preciso de um papel e uma caneta, mamãe. Eu não quero mudar nada. Estou bem, feliz. E a única coisa que eu mudaria, seria para ter você por perto, mas não posso."
Ela tocou meu rosto envelhecido e disse para eu assumir o grisalho, que ficaria lindo. Lembrou-me que meus traços são fortes como o de meu pai. E que eu era uma garotinha incrível, aos 50 anos.
"Você não vai mudar nem aquela história com aquele homem fedido?"
Eu ri baixinho. Eu-criança não poderia acordar e me ver ali. (uma das regras: não deixe seu passado ver você.)
"Mãe, o quanto aprendi com ele foi essencial pra quem sou hoje. Eu não mudaria. Não anularia a história. Só preciso dar alguns conselhos a mim mesma."

Minha mãe me deu um abraço apertado, disse que confiava em mim, sempre confiou, e estava muito orgulhosa.
"Feliz aniversário, meu amor."
Abraçou-me mais uma vez e saiu do quarto.
Conhecia o espaço como a palma da minha mão e fui até o armário onde guardava papéis, canetas, e me coloquei a escrever.


Acordei e sabia exatamente que dia era. Finalmente 10 anos de idade. Sou uma mocinha. Pré-adolescente.
Abri os olhos devagar para me acostumar com a luz que vinha pela janela. Rolei pela cama e, ao lado dela, no criado-mudo, tinha um envelope diferente. Abri-o rapidamente e comecei a ler.


"Feliz aniversário, pequena.
Você vai ser muito feliz. Muito mesmo. E será importante. Mas antes, você vai passar por situações difíceis que só te farão ser mais esperta, inteligente, mais especial.
Nunca se esqueça que só você manda em você (e mamãe, ela é a pessoa mais incrível que você vai conhecer. Tente não arrotar na mesa e faça as aulas de balé sem reclamar.).
Nunca deixe que ninguém te controle, te manipule, diga o que você deve ou não fazer, o que pode ou não fazer. Não permita que digam que você é incapaz, desimportante, feia ou qualquer coisa negativa.
Você têm princípios. Não os traia. Nunca duvide da sua capacidade, da sua força, suas habilidades, talentos. E quando alguém elogiar você, agradeça. 
Não se reprima e não se oprima. Não se rebaixe. Não duvide das suas intuições. Elas não erram. Assuma seus erros com responsabilidade, sempre de cabeça erguida.
E ame. Ame muito, mas com os pés no chão, não se traia, não abandone as suas convicções. Não confie em ninguém mas aprenda a hora de dar um voto de confiança.
Não existe fórmula certa, bebêzinha, para a felicidade. 
Algumas coisas você só aprenderá consigo mesma.
Com amor,
Para você."

Entreguei à carta a mamãe, que chorava discretamente enquanto lia.
Ela me abraçou e disse que me amava muito. E me fez jurar que seguiria àqueles conselhos que eu nem sabia de quem eram. Disse que um dia eu entenderia.


Hoje, aos 50 anos, eu releio a carta e sei que tive a melhor vida possível.



Tema do desafio: Conselhos que daria a si mesma, no passado.
"quando eu faço amor contigo, sou o desgraçado mais feliz desse mundo."

sexta-feira, 3 de julho de 2015

partida

"Eu nunca soube o que fazer. Por favor, me perdoe." Ela dizia, sentada àquela mesa vazia.
"Só me dê um motivo. Eu preciso compreender. A tormenta diária, meu amor, é insuportável." Eu tentava arrancar o mínimo de respostas dela. Por quê aquilo?
"Me perdoe. É só do que eu preciso. De perdão. Você me perdoa?"
Ela começou a chorar compulsivamente e eu tentava segurar as mãos dela mas não conseguia. Ela chorava cada vez mais e cada vez mais alto. Eu estava me desesperando.
Como foi que mudamos de lugar? Que diabos de lugar é esse? Por que tudo é tão branco?
"Me perdoe, amor. Já não tinha mais o que aplacasse a minha dor. Eu precisava dormir."
Eu não conseguia tocá-la. Quanto mais eu me aproximava, mais ela se afastava.
Eu gritava por ela e tentava abraça-la a todo custo. Eu a perdoava, é lógico. Nunca a culparia por ter feito isso. Mas ela não sabia e eu precisava dizer que a amava.
"Meu amor, por favor..." eu implorava, aos prantos.
"Eu amo você e estou sempre contigo."
Acordei no chão, suado, o rosto lavado de lágrimas. Caí da cama e nem percebi.
Esse mesmo diálogo era reproduzido todas as noites, em situações diferentes.
Desde a partida dela, eu nunca mais tive um bom sono, um bom sonho.



Tema do desafio: "as conversas que só temos nos meu sonhos" do ponto de vista dele.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

foto grafia

Imagens congeladas a apavoravam. Nunca se deixou ser fotografada.
Não queria ser impressa num pedaço de papel. A vontade era viver em movimento dentro dos pensamentos de alguém. 
Os registros que existiam foram feitos pela mãe, durante os primeiros anos de vida.
Fugia das câmeras nas festas de aniversário, no colégio, com as amigas, namoradinhos.
Sempre dizia: "me deixe dançar dentro de você, aqui, na sua cabeça".
O sorriso depois do pedido era tão largo e sincero e convincente, que era praticamente impossível não atendê-lo.
O curso da vida seguia tão naturalmente quanto podia, enquanto podia.
Era um dia bonito e ela andava de forma tão graciosa, que mal podia-se ver seus pés tocando os paralelepípedos da calçada.
Até que ela o viu.
E o tempo desacelerou. As pernas falharam. O ar fugiu dos pulmões.
Cabelos negros perfeitamente desarrumados. Olhos marrons, da cor de chocolate. Chocolate derretido em banho-maria. Mãos pálidas, de dedos finos e compridos, e um anel prateado no dedo indicador esquerdo, manuseavam uma câmera fotográfica com habilidade.
Ele focava o alto dos prédios, como quem enquadra o céu também. 
Percebeu-o fotografando, discretamente, um casal que passava de mãos dadas.
Não foram só os traços incomuns que prenderam a atenção dela. A graça no olhar, o carinho com que segurava o objeto, o sorriso satisfeito depois de cada clique perfeito.
Ele fotografava por amor.
Uma buzina na rua a despertou dos devaneios. Respirou bem fundo buscando coragem para se aproximar daquele homem e foi.
"Com licença. Desculpe o incômodo", as palavras saiam desenfreadas e ele sorriu de volta. Apertou a mão dela, em cumprimento, com firmeza e delicadeza ao mesmo tempo, perguntando no que podia ajudá-la.
"Eu queria que você me fotografasse, uma vez", ela proferiu em sussurro, de olhar baixo, sentindo-se atrevida e inconveniente, quase culpada.
Ele tomou a câmera nas mãos com agilidade e destreza e a puxou delicadamente até onde julgara possuir boa luz.
"Sorria", ele pediu.
Mas ela não sorriu.
Ele a registrou. Ela agradeceu e disse não querer a foto. foram embora e nunca mais se viram. 
E ela conta que se permitiu ser fotografada uma vez, por alguém que amava o que estava fazendo. E foi só essa vez.





Tema do desafio: A primeira e última vez que ela se permitiu ser fotografada.



casais #1

Ela era bem bonita. A pele bem clara, rosto meigo, quase como uma boneca. A cor do cabelo, até agora não conseguir decidir se era louro ou ruivo...
Ele, só vi de costas.
Estavam sentados à mesa ao lado da minha e nem sequer imaginavam que uma estranha os observava com tanto interesse.
Ela mantinha o olhar distante, um bocado triste e, vez ou outra, bebericava o refrigerante.
Ele mal se movia, mesmo de costas à mim, era perceptível que ele não falava uma palavra sequer. O silêncio dos dois pesava em mim.
Da mesma forma que mexemos no celular quando queremos evitar conversas, falta de interesse e etc, ela coçava os olhos freneticamente para que não precisasse olhar para outro lugar que não fosse a superfície da mesa.
Talvez eu esteja sendo presunçosa achando que sei tanto sobre um casal que nunca vi na vida. Mas sou boa observadora. Sempre fui...
A forma que ela coçava os olhos sem parar, carregava o mesmo sentimento de quando eu precisava acender um cigarro atrás do outro pra evitar uma conversa que eu não queria ter.
Ele falou alguma coisa e ela respondeu com um sorriso fino, sem empolgação, sem ânimo.
O que fez aquele sorriso ser tão sem-graça? Porque não conversavam? Não seguravam na mão um do outro, não se divertiam?
As nuances de uma relação amorosa sempre me interessaram. Os casos, histórias de amor e suas peculiaridades que nunca são iguais de um relacionamento pra outro.
Observo a interação de casais por aí há tempos. O nível de intimidade que demonstram publicamente, o que os olhos dizem, o que o corpo diz. Alguns pares já me são conhecidos, sempre os vejo na fila do supermercado, no meu ponto de ônibus e nem sabem quem eu sou.

domingo, 7 de junho de 2015

cheiro


O cheiro que está aqui é seu.
Do seu corpo.
É o mesmo de quando estou na sua cama e é o mesmo que fica quando você sai dos meus lençóis. 
Não é perfume. É você. 
Sua pele.
Seu corpo.
É você.
Sua essência, seus hormônios e o seu suor, que me levam de volta àquela noite só por respirar e mal me deixam dormir de tanta saudade.
O cheiro em mim é seu, no meu travesseiro, nas cobertas enroladas nas minhas pernas e o querer de que fosse você. 
No meu peito.
Aqui dentro de mim.



quinta-feira, 4 de junho de 2015

olhos


São lindos e a minha parte favorita em ti. À meia luz, do meu privilegiado ângulo de visão - sobre o teu peito - eles possuem um brilho especial e quando me olhas, quase posso flutuar.
Quando me vejo refletida neles, sinto que estou dentro de você. 
É o que mais me desarma, depois do teu toque.
E é o que mais me sustenta nesse mundo.
Teus cílios invejáveis são como cortinas negras e compridas que abrem e fecham a cada piscadela.
E quando você sorri com eles, sinto um tremor imenso.
Nenhuma descrição basta para explicar o que são teus olhos pra mim. Qual o significado de cada olhar. Tamanho amor que nutro por eles.
Explicações são nulas se meu objetivo é narrar as sensações. 
Desde a cor, ao formato.
Teus olhos são a janela do meu mundo.



terça-feira, 2 de junho de 2015

devoção

Ele pede coisas que ela não pode prometer. E poder, é o de menos, ela não consegue. Não quer mentir, desapontá-lo, decepcioná-lo. Sabe que o sentimento de frustração é o pior de todos.
Mas tudo o que ela mais quer é poder encher os pulmões de ar, o peito de coragem e a boca de devoção pra dizer: sim, serei sua por toda a eternidade.



dependência

Tem essa coisa aqui dentro de mim, que toda vez que eu penso em você, cresce tanto que me engole.
Essa coisa faz com que meu coração vibre e, de tanto vibrar, ele está todo trincado.
Não sei quanto mais ele pode suportar.
Essa coisa aqui dentro de mim, me asfixia e me leva o fôlego pra bem longe todas as vezes que eu penso em não te ter.
Essa coisa tira todas as minhas forças e hoje as minhas pernas são moles, fracas, pouco sustentam o peso do meu corpo.
Essa coisa também me tira a razão. Vivo a beira da insanidade, às margens da loucura e paranóia.
Essa coisa gosta de gritar e grita tanto que me deixa confusa. Nunca sei se ela está dizendo que não estou sozinha ou se é o fim da linha.
Essa coisa me machuca e me cura todos os dias. Me deixa mal pra me deixar bem logo em seguida.
Me causa dependência.
Vício.
Talvez eu esteja viciada.
Viciada nessa coisa.
Viciada nesse amor.
Viciada em você.


sábado, 30 de maio de 2015

estrelas

Teu corpo é como uma constelação: cada sinal é uma estrela.
O brilho fica por conta dos seus olhos.



quinta-feira, 28 de maio de 2015

Hiago e Emanuela

Falo como mera observadora. Em tudo na vida, eu só observo. Falo dos dois com pouca propriedade, mas sempre baseado nas minhas constatações.
Hiago e Emanuela são o casal mais improvável em que já pus os olhos.
Digo fisicamente. Duas pessoas que você não imaginaria juntas. Os tinha visto por fotos e achado o máximo tamanha diferença e quando os vi pessoalmente,  entraram no meu top cinco de casais mais legais/bonitos.
Hiago é branco. A pele tem quase a cor do leite. Alto, magrelo, usa óculos de grau e quando você bate o olho nele, já diz que é nerd. Ele é, fisicamente (e é disso que estou falando) um estereótipo dos meninos viciados em computador, jogos, internert e vídeo game. O conheci através do meu irmão e com ele troquei poucas palavras.
Emanuela é negra. De estatura mais baixa, cabelos crespos na altura do pescoço e robusta. Seios fartos, quadris avantajados. Uma das pessoas mais simpáticas que conheci nos últimos tempos. Pela minha observação (sou bem boa nisso), parece ser bastante inteligente. A conheci por que ela me adicionou no Facebook e conversamos uma ou duas vezes. Mas meu irmão sempre me falou da ótima pessoa que ela é, como cozinha bem, como é solícita e etc.
Não consigo explicar bem a minha simpatia gratuita pela formação do casal e a felicidade que me dá quando a vejo se declarando pra ele virtualmente, assim, pra todos verem.
Pouco se importam se são um "casal fora do padrão" ou um casal "que não combina" e todos esses comentários que já vimos por aí.
Talvez minha rendição tenha vindo quando observei os dois lado a lado no meu sofá, numa tarde de sábado: ela descansava o braço na perna dele e ele, carinhosamente deslizava a ponta dos dedos da altura do ombro até o cotovelo dela.
Que são um casal desses que estamos desacostumados, são.
De todo o resto sobre eles, eu não sei. Mas o amor que conseguimos ver vindo deles é do mais tradicional e puro. O amor é um só.



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esquina

Quando parei no meio da calçada, eu sabia o que esperar.
E cada segundo é eterno quando se está esperando.
Ver o par de olhos que tanto amo e o sorriso que se abre vindo em minha direção, faz todo o resto ser desimportante.
O frio na barriga é o mesmo de quando se é novidade.
Nunca é igual.
Nunca será.
Ali, parada na calçada, eu só quero que vire a esquina o dono do meu coração.



mundo paralelo

No meu mundo paralelo, você está em pé na cozinha às sete da manhã.
Está tomando café comigo antes de ir trabalhar.
Nesse meu mundo, seu cheiro de banho recente, a mistura de sabonete e perfume,  se espalha pelos cômodos da casa mediante os teus passos pesados e preguiçosos pela hora.
E você está lindo.
Você é lindo.
Aqui no meu mundo paralelo, te deixo na porta, dou-lhe um abraço, um cheiro no pescoço, me apaixonando cada vez mais por você e seu frescor, e um beijo demorado o suficiente para que não se atrase.
No meu mundo pararelelo, eu fico esperando você voltar.
Do mesmo jeito que faço no mundo real.



segunda-feira, 25 de maio de 2015

quero ser


Quero ser a tua voz cantarolando enquanto dirige
Quero ser o reflexo atrás de você no espelho enquanto escova os dentes 
Quero ser o colo que apara tuas pernas jogadas no sofá 
Ser a mão que alinha os fios desordenados da tua sobrancelha 
Quero ser a voz que te anuncia o almoço 
E ser a cabeça que repousa no teu peito 
Quero ser a tua rotina
O teu dia-a-dia
O teu cotidiano 
Quero ser tua luz e tua calma
Tua ânsia e tua alma
Quero ser quem te desperta e quem te nina 
Quem te acolhe e quem lhe corrige
Teu refúgio 
Quero ser quem você quer e quem você precisa
Quero ser o melhor de todos os mundos
Quero ser tua e quero que seja meu
Quero ser o seu amor
Pois o meu
Você já é. 



domingo, 24 de maio de 2015

solidão

É aqui onde a minha solidão se aloja, ao meu lado, no sofá.
Se prologa até a hora do sono, na falta do beijo, do afago e do carinho antes do adormecer.
Na falta de companhia pro jantar. Na hora do café...
Ela costuma dizer que é a única que estará sempre comigo e faz piada da sua ausência.
Cansei de brigar com ela.
Só aceito a péssima acompanhante que ela é.
É horrível admitir, mas me pergunto se ela está errada.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Cena


Ainda deitada na cama, olhei pro lado e sob a pouca luz do quarto vi você acender um cigarro.
Me postei a observar seus movimentos, como vestia a calça, depois a camisa, dava um trago no cigarro e soltava a fumaça. Qual o ritmo da sua piscada, como bagunçou o cabelo até que ele ficasse arrumado ao seu modo.
Minhas pernas formigavam e eu estava exausta.
Quando você se deitou ao meu lado e beijou-me o ombro nu, eu sabia que seria capaz de viver naquela cena, naquele quarto, por toda a eternidade.



segunda-feira, 18 de maio de 2015

brilho eterno de uma mente cheia de lembranças


"O olhos dele. Os cílios que são mais bonitos que o meu.
Quando ele dirigia usando só uma mão, enquanto a outra segurava a minha.
O sorriso, a voz. A voz dele. Eu adorava a voz dele.
Aquele riso de lado, todo errado.
E teve uma vez que eu passei muito perfume, e ele beijou meu pescoço e depois me beijou, e eu senti a língua dele amarga por causa do perfume.
Pelo menos eu estava cheirosa."

T.



quarta-feira, 13 de maio de 2015

quis tanto


Você me disse que vinha e eu esperei ansiosamente. 
Terrivelmente ansiosa.
Corri tomar um banho.
Sei que adora o cheiro de sabonete na minha pele e meus cabelos exalando xampu.
Me desculpe, a roupa foi intencional. Eu quis te provocar sim. Quis que me olhasse e me quisesse.
Sentei e esperei.
Esperei quase uma eternidade teus quinze minutos. 
Que longos foram!
Quando chegou, ouvi o primeiro chamado. 
Mas esperei até o terceiro.
Me desculpe, eu ainda estava nervosa com a tua eminente presença.
Gostaria de tê-la abraçado com mais força, mas me pareces tão fraca, pequena e frágil que sinto medo.
Sentou-se comigo no sofá e me desculpe mais uma vez, te analisei inteira. 
Decorei a cor das meias. 
Notei o elástico da tua roupa íntima.
Tudo eu guardei.
Inventei uma desculpa tosca e me aproximei. Eu queria ficar perto. Bem perto.
Você deitou e eu coloquei tua cabeça no meu colo.
Senti falta de acarinhar teus cabelos. 
De desenhar tua sobrancelha com a ponta dos dedos.
E tocar teu brinco.
E brincar com a tua orelha. E ver como você repele meu toque, consciente do que ele é capaz.
Senti falta de ver de perto teu sorriso de dentes alinhados, depois do aparelho. 
Até de ver como você evita meu olhar. Me olhar nos olhos.
Eu quis me tocasse, que fosse mais intimista. Que teus dedos percorressem a extensão das minhas coxas. Por que, antes que negue, saiba que eu vi você quase me despindo com os olhos.
Mas foges tanto...
Quis que me beijasse. Sinto falta da tua boca doce, delicada, macia como nenhuma outra.
Quis que dissesse tudo o que passa na tua cabeça e eu sei que passa.
Quis tanto e apesar das minhas investidas discretas e até as mais ousadas, você calou.
E simplesmente foi embora quando deu sua hora.




domingo, 10 de maio de 2015

não há bem que dure e nem mal que seja eterno


Me reclamaram do fim das coisas. Do final em si. Quando acaba. Sou meio revoltado com isso, me disseram, tudo se esvai.
Ainda bem, penso eu. Que as coisas têm limites, têm finais e não se arrastam eternamente pela eternidade.
Imagine viver em um mundo onde nada chega ao fim: eterna procrastinação. 
Deixaríamos tudo pra depois, mais que de costume.
Tudo seria empurrado com a barriga. Pra quando deus-der-bom-tempo.
Procrastinação é a palavra.
Já pensou, viver a mercê e a boa vontade de outra pessoa? Esperando que ela faça as coisas no tempo dela, quando ela quiser, se ela quiser?
Essa coisa de sabermos que algo tem fim, nos pressiona a vivê-lo, de certa forma. Tudo é urgente. Somos obrigados a tomar atitudes e decisões. Não há tempo a perder. Queremos aproveitar cada segundo, curtir ao máximo cada momento. Viver!
Com a oportunidade de enrolação, machucaríamos as pessoas, seríamos causadores de decepção e sofreríamos também. 
É por isso que eu não quero viver pra sempre. Essa idéia não me apetece nenhum pouco. 
Cada dia deve ser vivido como o último. Quando se deitar, estar satisfeito com você e com o que você faz. 
O seu final, o final da sua trajetória enquanto ser humano, na terra, é imprevisível. Nunca se sabe quando seu fim será decretado.
É importante deixar alguém que você gosta com uma palavra boa, doce, gentil, carinhosa ou seja lá o que você define como agradável. Nunca se sabe quando será a última. 
Queira ser lembrado por coisas boas. Por qualidades. 
Mesmo em meio a tanta maldade, egoísmo, soberba, ganância e uma etc de coisas ruins, o que eu digo parece utopia.
Mas acho que é requer menos esforço do que se imagina. 


sábado, 9 de maio de 2015

noites de sábado

São nas noites de sábado que sinto a minha solidão.
Depois das 22, enquanto as mulheres se pintam e perfumam.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

viagem

Falaram que a viagem é mais legal quando se está sentado.
O caminho era interminável. Tava tudo tão engraçado. Eu olhava e não via nada. E aquela luz forte na minha cara e não sabia o que era? Pensei que fosse um ônibus na nossa frente mas era só um uno vermelho.
Que coisa! Aquele último trago deu um barato doido. Chega enjoou o estômago.
As meninas não paravam de rir. A gente andava, andava, andava e não saía do lugar. Ele dirigia mas já tava acostumado com a coisa.
Segurei no encosto do banco da frente e escorei a cabeça. Desliguei do mundo e fiquei um bom tempo sem ouvir nada e nem ver nada.
Meu coração começou a bater rápido e engraçado. Muito engraçado. Fazia tumtumtum pausa tumtumtum pausa. Toda pausa eu pensava em parada cardíaca. Falei que tava tudo engraçado e todo mundo riu. Falei que tava com medo de morrer e riram mais ainda. Eu me sentia idiota, mas engraçada.
Aquela sensação de buraco na garganta começou a me preocupar. Que será isso meu deus????
Olhei em volta e a menina do meu lado ria. Os carros na rua e as luzes faziam parecer um jogo de vídeo game. Eu comentei. E todo mundo riu de novo e falaram que eu tava muito doida. A segunda menina, no banco da frente, ria descontroladamente.
O mundo tinha uma textura diferente, tava mais engraçado.
E aí ficou tudo preto.
Eu nunca chegava em casa.
E ficou tudo branco.
Eu tava na rua da minha casa. Como?????
Parecia que tinha dado reset no jogo e ele começou de novo.
Meu coração ainda tava engraçado. E minhas pernas também tavam.
Ele parou no meu portão e eu não aguentava mais rir. Desci do carro e não fechei a porta.
Volta fechar, maninha!!!!!
Que que custavam fechar pra mim?
Nessa, eu trombei no retrovisor do carro. Bati o quadril. Assim dizem. Eu não lembro e nego loucamente até hoje.
Entrei em casa e deitei no quarto escuro.
Meu corpo quase flutuava na cama. O coração tava mais calmo, fazia tumtum tumtum.
Os olhos começaram a pesar e eu ria de olhos fechados. Ria sozinha. De porra nenhuma. Quem precisa de motivos pra rir, né?!?!?
Não tive tempo pra larica, nem vi a Madonna parada no meu jardim e muito menos vi duendes.
Mas de todas, a viagem sentada foi a melhor.

terça-feira, 5 de maio de 2015

sons de dentro

Deitada no sofá, ela sentia o corpo mole, pesado. Não era doença, era só cansaço. Tentava um breve cochilo naquela tarde, mas não conseguia.
Não era o peso -confortável- do gato, adormecido, em cima da sua barriga que incomodava.
Não eram os latidos dos cachorros dos vizinhos, implicando com alguém aleatório que passava na rua.
Tampouco a claridade que entrava pela janela de madeira, pois desta, ela já havia fechado uma das bandas.
Era o barulho do seu coração batendo. Batia alto. Um som fino e descompassado.
O que a impedia de relaxar eram os pensamentos que gritavam na cabeça.
Ela estava tão sensível consigo mesma, que jurava ser capaz de ouvir o chiado do sangue correndo pelas veias e artérias.
Fechava os olhos e sentia suas articulações rangerem, como se lhe faltasse lubrificação e estivesse enferrujada.
A calmaria poderia vir de qualquer lado, de qualquer lugar. O silêncio poderia vir da casa vazia, dos cachorros dormindo, da rua deserta.
Mas os sons que vêm de dentro são terríveis como unhas raspando em quadro negro, daquelas que fazem até os dentes doerem, capazes de arrebentar os tímpanos dos corações mais frágeis.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

olhe

Por mais baixa que seja minha voz, olhe nos meus olhos. Eles gritam o teu nome e te pedem amor.

terça-feira, 28 de abril de 2015

dentro de nós


Você não escutou quando eu falei. Nem viu quando meus olhos vidravam olhando o nada e piscavam quase soletrando pedidos de socorro . Não percebeu meus movimentos carregados de angústia e aflição. Não viu quando eu caí e desisti de manter a postura.
Eu não devia esperar tanto de onde poderia vir tão pouco.
Sei que devia ter aprendido a separar onde eu cabia e onde eu me encaixava. Você sabe, caber e encaixar são coisas diferentes...
É triste, eu sinto isso tanto quanto você. 
Partir é dilacerar meu coração. Arrebentá-lo em um trilhão de pedacinhos e depois pisotear todos esses pedaços, cuspir em cima e deixar que o vento os leve pra bem longe do meu corpo.
Partir não é só deixar você. Partir é me deixar também. 
Me perco no processo. 
Não há culpado nem pelas causas e nem pelas consequências. Nosso erro foi um só e foi o maior acerto até então. 
Terminamos agora.
Mas ainda continuamos para sempre. Dentro de nós.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

amores impossíveis

Queira alguém que, além de te querer, possa estar com você. Alguém que possar estar para você. Queira alguém que pode te levar ao cinema ou a praça. Alguém que te olhe nos olhos sem precisar desviar o olhar, alguém que não tenha medo de segurar sua mão em público. Alguém que no meio de um mar de gente, olhe só pra você. Alguém que possa ser seu.
Amores impossíveis tem todo o seu charme e emoção. São bons. Mas cansam.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

nudez

Toda noite, tiro os brincos.
Tiro os anéis.
Tiro o colar e as pulseiras.
E a diadema do cabelo.
Me desfaço da roupa que visto

de corpo nu, adormeço de alma despida.


segunda-feira, 13 de abril de 2015

morzi



A vida lhe ensinou tudo. Tudo do bom, tudo do ruim. Às vezes, foi boa, às vezes, terrivelmente cruel.
Sempre só, carregava o mundo nos ombros. Nunca teve alguém que lhe segurasse a mão e apontasse o caminho. Precisava de sorte.
Desde tão nova, ela estava abandonada. Foi crescendo e ganhando marcas na alma, no coração e no corpo.
Algumas marcas estão abertas até hoje. Existem buracos que não se fecham e doem sempre que venta mais frio. Essas marcas ninguém enxerga. Teimosa que só ela pode ser, prefere se resguardar e esconder tudo dos outros.
Das marcas físicas, eu adoraria cobrir todo o pulso esquerdo com as mais lindas pulseiras desse universo, para que ela nunca mais precisasse olhar pr'aquelas linhas brancas na pele.
Dona de uma alma absurdamente sensível, é uma artista nata. Transborda poesia. Escreve com o coração.
Dona de longos cabelos pretos que emolduram seus olhos tão expressivos, tão falantes, olhos de coruja-cigana.
Sempre caio em repetição em dizer-lhe que estarei aqui para ela, sempre. Nenhum fardo será pesado demais para ela, desde que divida comigo.
Sempre que olho nesses olhos vejo além da dor, do sofrimento, da solidão, da desilusão e todo desamor já sofrido.
Vejo amor saindo pelos poros. Vejo tanta ansiedade por paz de espírito...
Vejo alguém que quer ser amada e ser feliz e dar a alguém tudo o que não teve.

Há de ter, morzi. Você será completa. Feliz. A mais feliz que haverei de conhecer. É de longe a pessoa que eu mais admiro e amo nesse mundo. Teu futuro é brilhante. Te amo.




Ilustração: Amanda Roosevelt

sábado, 11 de abril de 2015

despedida

A música é lenta e toca no mesmo compasso do meu coração nesse instante.
E é triste feito o teu olhar.
Longa feita a nossa conversa.
As notas são harmoniosas como eu e você, mas ao contrário de nós, ainda funcionam bem quando juntas.
Ela é o som da nossa despedida.


domingo, 29 de março de 2015

"Você tem uma nova mensagem de texto"

Aquele dia amanheci sentindo o estômago embrulhado. Achei que fosse o jantar da noite anterior. Achei que fosse a gastrite. Sentia um nó na garganta. Era como se algo dançasse dentro de mim.
Então recebi sua mensagem.
O frio na barriga era só paixão acompanhada de saudade.

espera

Ainda estou esperando a ligação que me prometeu.
Aquele sinalzinho de vida especial, que você costumava me dar.
A satisfações que me dava, sem que eu pedisse, e adorava me contar cada passo do seu dia.
O bom dia quase religioso.
O boa noite sagrado.
E faz tanto tempo que o telefone está na minha mão e não toca, não vibra.
Eu não vibro. Não mais.

Meu amor tem sido alimentado por palavras mudas.

embalo do badalo

Entre os seis e o oito anos de idade morei numa pequena cidade interiorana, conhecida por Terra do Amendoim. Morava ao lado da casa dos meus avós e tios e na esquina de casa havia (e ainda há) uma antiga igreja católica. 

Visualmente falando, a igreja é bastante tradicional: um painel bonito no altar, um grandioso Jesus Cristo entalhado em madeira, numa cruz, todo envernizado, representando o sofrimento do filho do Todo-Poderoso. Os bancos de madeira, divididos em duas filas e eu, que só fui em uma única missa.
O sino era tocado religiosamente(!) por um senhor, que morava nas dependências da igreja, nos fins de semana, para anunciar a missa.

Poucas coisas me deixavam mais feliz que me sentar na varanda escura da casa da minha avó, acompanhada pela tia Eliane e pelo meu avô e esperar pelos badalos intermináveis do sino.

E contá-los.

Não havia padrão. Era tocado quantas vezes aquele senhor que eu não conhecia o rosto, quisesse. Quarenta vezes. Cinquenta. Oitenta. Cem vezes... O grande sino em frente à paróquia, ao lado da porta de entrada, era apenas tocado.

O silêncio da pequena cidade só era quebrado pelos grilos, cigarras e o sino, enquanto as estrelas tomavam forma e brilho no meu céu favorito.

Divididos entre cadeiras de balanço e um banco de madeira, branco, ao estilos dos bancos de praça, contávamos. O número sessenta e dois é nítido na minha cabeça. Por vezes eu perdia as contas e recomeçava o continuava de onde eu achava que estava, mas sessenta e dois é claro para mim. Pode ser que minha tia tenha outras contagens e meu avô também.

Soube que o senhor morreu e me disseram que, hoje, quem toca o sino, não tem mais o mesmo entusiasmo. E não tem mesmo, visto que da última vez contei dez toques.

Não há moralismo não minha história, nem nada a ser refletido. Só a saudade que eu carrego dos cantos de cigarra e noite embaladas por badalos.