domingo, 26 de julho de 2015

casais #2

Enquanto eles esperavam o pedido chegar à mesa, estavam calados.
Ela estava de cabeça baixa, parecia bastante cansada. O que é normal pra uma quarta-feira comum de trabalho.
Me distraí por alguns instantes e quando voltei a observá-los, os pratos haviam chego e já estavam comendo. Pareciam mais animados. Talvez o problema fosse só a fome mesmo.
O ponto alto foi quando ela pegou um guardanapo e delicadamente limpou o canto da boca dele, enquanto falava e sorria.
Ele, permanecia imóvel, como se não pudesse se mexer enquanto ela o limpava. Como uma criança às ordens.
Mas tinha um olhar carinhoso, terno, apreciando o cuidado da companheira, até que ela o liberasse para voltar a comer.

Stardust - O mistério da estrela


-Você não deseja? A eternidade. - Yvaine questionou. 
-A vida eterna? - Tristan perguntou. 
"Eu não", pensei em voz alta, enquanto desenrolava o cabo do notebook. 
-Deve ser bem solitária. - Ele respondeu à estrela caída. 
"Também acho", comentei, como se o personagem na tv me ouvisse.
-Só talvez tendo a companhia de alguém... 
"Ah bom, assim sim", concordei. 
-Que se ame.
Concordei fervorosamente. 
Nessa hora, o meu amor entrou na sala. 
Eu ainda tentava desenrolar o cabo do carregador e ele veio em minha direção. Quando chegou bem perto, envolveu minha cintura num abraço apertado, me fazendo largar o objeto no chão e deslizar minhas mãos até seus ombros. 
Me beijou de um jeito firme e calmo, intenso e delicado. 
Me beijou de um jeito... a ponto de fazer as pernas quase perderem a força.
Senti o estômago revirar, as famosas borboletas, à essas horas, já eram dragões em pleno vôo. 
Ele subiu as mãos até meu rosto e o segurou com cuidado. Apartou o beijo e me deu mais um selinho.
-Quero viver contigo só pra sempre. 
Foi o que ele disse.



sábado, 25 de julho de 2015

promessas


Aquele seria o último encontro dos dois. Ela estava decidida a por fim no relacionamento e ele a riscaria do mapa da vida dele. 

Quando ela disse que queria terminar, ele pediu um último encontro. Uma última noite juntos e depois sumiria da vida dela. 
Relutante pelo medo e pela dor que vinha acumulando havia algum tempo, ela aceitou. Achou que mereciam, em nome da história que viveram.
A princípio, a idéia era de que não houvesse clima de despedida. Não tocariam nos velhos assuntos, memórias antigas e nem na decisão que os trouxe até ali. Não seria uma viagem no tempo, segundo ele. Não ouviriam as músicas que os embalou várias vezes. Teriam mais uma noite dentro da normalidade que só cabia aos dois. 
Ele apenas queria decorá-la e guardá-la dentro dele, pois dali pra frente apagaria todas as fotos dela. E não mediu olhares, não a poupou de deixá-la encabulada. Mesmo depois de tanto tempo, ainda se orgulhava da façanha esboçando um sorriso de lado.
Falho como só ele poderia ser (e absolutamente previsível) , sentou-se de frente a ela e colocou pra tocar a mesma música da primeira vez que fizeram amor. Ela questionou a memória que a música trazia e ele rebateu dizendo que ambos eram bons em fazer promessas que não seriam capazes de cumprir.
Ele falava do que sentia e ela absorvia tudo em estado inerte. Ela não se movia, mal piscava, vez ou outra rolava uma lágrima pelo furacão sentimental que se formava dentro dela. 
Todas as certezas que a trouxeram àquele momento estavam tão firmes quanto um punhado de areia escorrendo pelos dedos. 
Tanta confusão e a aflição a deixavam perturbada.
A conexão entre o olhar dos dois era tão intensa que poderia ser facilmente tocada. A química entre os corpos é tão exata e perfeita e exclusiva que se sentiam desconfortáveis em suas cadeiras. Precisavam se tocar. Ansiavam um pelo outro. O desejo de estarem juntos e sentir o suor, o cheiro, a boca, a pele, o toque, era maior que qualquer outro sentimento no momento. Precisavam sentir-se um do outro como há muito tempo não eram. 
Ele queria ser amado, ela queria se sentir viva de novo.
Queria sensações que só ele causaria. Só ele causou em toda a sua vida. 
Ele finalmente se levantou e ela sentiu o estômago dar um nó, tamanha a ansiedade, nervoso e curiosidade em saber o que ele faria.
Parou atrás dela, afastou o cabelo e depositou-lhe um beijo na curva entre o ombro e pescoço, subiu os lábios até seu ouvido e a convidou: vem deitar um pouco comigo.
No impulso, ela fechou os olhos e sentiu todos os pêlos de seu corpo eriçados. Já não lembrava mais por quê estavam ali, só sabia que não queria que fosse mera despedida e que não terminaria. 
Ambos eram bons em prometer e não cumprir.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

mar


Sessenta anos de idade e nunca havia posto os olhos no mar. 
Só pela televisão. 
Eu via aquela imensidão azul esverdeada ou verde azulada e pensava no quão incrível poderia ser.
A curiosidade enchia meu peito de esperança e meu sonho de conhecer tamanha perfeição, fazia meu coração palpitar só de imaginar.
Quando meu filho disse que passaria as férias no litoral e eu iria junto com ele, sua esposa e a minha netinha, eu brinquei.
-Menino, assim tu mata o velho. Não tenho mais idade pra piada.
Não era piada. Íamos pro litoral, eu conheceria aquele mundo de água. 
Pela janela do carro, durante a viagem, eu observava a paisagem. O dia começava a clarear e um cheiro característico invadiu minhas narinas. 
-Maresia, pai. Tá sentindo?
Estávamos perto. 
O carro seguia pela rua principal da pequena cidade litorânea e no final de uma das ruas paralelas, vi algo que me chamou a atenção. 
Na rua da quadra seguinte, o vi de novo. Será que era mesmo? Olhei pra pequena menina e ela dormia confortavelmente esparrada pelo espaço vazio do banco. Eu queria mostrar à ela, mas parecia um crime acordá-la.
-Filhão, é o mar?
-Estamos bem perto, pai. Fica olhando. 
Fixei meus olhos pela janela. Eu queria vê-lo.
E lá estava o majestoso. 
Senti meu coração acelerar e eu queria descer do carro e correr até ele o mais rápido que a idade me permitisse.
Meu filho quis ir ao hotel primeiro, tomar café da manhã, check-in e com tempo e a bebê bem acordada, iríamos à praia.
Eu concordei um pouco desanimado, a empolgação parecia só minha. Ou talvez eu só estivesse mais animado que os demais.
Nos instalamos, tomamos um farto café da manhã. Minha nora, gentilmente, nos lambuzou de protetor solar.
-Não queremos ninguém torrado de sol, né? 
Chegamos ao calçadão e eu fiquei estático. Era muito maior que na tv. E que cheiro delicioso. Que vento maravilhoso. Balançaria meus cabelos, se ainda os tivesse.
Olhei para o meu filho, que segurava aquela boneca no colo, e nos olhos dele vi algo muito familiar. O brilho de felicidade que eu só via nos olhos da mãe dele.
Há muito tempo eu não via duas estrelas brilharem tão perto de mim daquela forma, desde que a vida me fez viúvo. Então eu sabia que a empolgação, encantamento, felicidade, curiosidade não eram só minhas. 
O vi passar a menina para o colo de sua esposa e ele rapidamente pegou na minha mão.
-Vem, pai. Vamos experimentar a água. 
Meu filho já conhecia o mar, mas sempre soube do meu desejo.
Caminhamos pela areia e ela estava tão morna... A sensação era de que meus pés estavam sendo abraçados por anjos. Beijados, massageados por eles.
Ao chegar na parte molhada, onde as ondas quebravam, eu não consegui dar nenhum passo.
As ondas iam e vinham devagar, até chegar na Beira da praia. Lavava os nossos pés, levava a areia debaixo deles, fazendo que eles afundasse um pouco. 
E era imenso. Ia até onde a vista alcançava. Eu estava embasbacado e não fazia a mínima força pra esconder minha admiração. 
-Mamãe ia adorar.
Eu ouvi a frase e o sorriso que brotou nos meus lábios, milagrosamente rejuvenescidos pelos ventos da mar (era assim que eu me sentia), foi instintivo. 
Senti uma mãozinha, pequenininha, segurar a minha mão envelhecida e cheia de marcas do tempo. A pele macia e delicada contrastava com a minha, que era grossa, calejada.
Olhei pra baixo e vi um narizinho rebocado de branco. Proteção solar. Um chapéu azul caia sobre os olhos, mas a luz forte do sol não deixavam de afetar aqueles olhinhos, que estavam apertados pelo incômodo dos raios.
-Onde acaba, vovô? 
A voz infantil perguntou atropelando as palavras. 
Me abaixei e a peguei no colo. O tempo passou voando desde o seu nascimento e de repente ela já tem quatro anos e é absurdamente esperta.
-Acaba bem longe daqui, meu amor. Bem longe.
-Longe igual a vovó tá? 
-A vovó tá bem pertinho. - Meu filho se apressou em responder, - Aqui dentro do seu coração. 
Sabe quando você quer que um momento dure pra sempre? É o que penso sempre que olho a foto que a minha nora tirou. Eu, meu filho, minha neta e a imensidão verde azulada ou azul esverdeada.



Tema do desafio: A primeira vez que alguém viu o mar. Alguém idoso.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

carta ao passado

Quando se completa 50 anos, nós bruxas, temos o direito de voltar no tempo e mudar algo em nosso passado.
Nosso clã não é imortal e cada bruxa só consegue realizar o retorno uma vez. Pouquíssimas conseguiram ir pela segunda.

Temos restrições sobre coisas que podem ser mudadas. As regras são claras: não interfira em nascimentos, mortes, acontecimentos históricos e etc etc coisa importante.
Nunca dei muita moral pra isso. Sempre fui uma bruxa avessada, dizia minha mãe. A do contra. A questionadora. Incontrolável. Quando ela voltou no passado, eu já tinha 25 anos e, acredite, a bonita voltou até minha infância e me colocou em aulas de balé. "Queria tanto uma filha mais delicada."
Hoje tenho uma boa postura, mas a delicadeza... Bom, enfim.
É incrível o que a magia pode fazer. Os homens buscam um modo de viajar no tempo através da ciência há décadas e é em vão. Pobres humanos...
Quando chegou o comunicado de que meu portal para a viagem no tempo foi liberado, fiquei animadíssima. Pra que parte do passado eu voltaria? 
13 anos, primeiro beijo? Suspende. Aquele cara... Eu poderia ter conseguido algo melhor. Lembrei dos meus 15 anos, menarca, colegial, quando eu pensava em estudar, fazer faculdade e ainda nem sabia que vinha de uma família de bruxas.
Meu caráter e minha personalidade se moldaram muito cedo, sempre fui fiel aos meus princípios. Mas coisas começaram a mudar de figura quando conheci um homem. Um humano. Minha mãe sempre me alertou sobre os perigos do envolvimento com seres tão instáveis quanto os seres humanos e eu, a do contra, nunca dei ouvidos.
Era incrível. Os humanos podiam ser imprevisíveis, intensos, faziam as coisas acontecer, já que a magia não existia no mundo deles. Toda a razão da qual se orgulhavam, a capacidade de pensar, dava espaço à instintos primitivos, animalescos, selvagens, em situações extremas. E isso me apaixonava de tal forma, que perdi o chamado bom senso para cuidar de mim, proteger minha magia.
Eu que sempre fui tão forte e dona de mim, de repente cedia aos caprichos de uma criatura que se mostrava cada vez mais egoísta e mesquinha. As coisas fugiram do meu controle.
Não que eu me arrependa de tudo o que aconteceu. Jamais. Não é do meu feitio. Eu teria entrado naquela relação, assim como entrei, mas teria feito com que algumas atitudes não fossem tomadas.

Pra ser sincera, meu histórico de relações afetivas foi um bocado conturbado.
Mas, para que época voltar? O que eu poderia mudar na minha vida? Hoje estou bem, mamãe ficaria orgulhosa de todas as minhas conquistas. Faço parte do conselho das bruxas, no mundo humano sou bem sucedida, não me casei (disso ela não se orgulharia).
O que mudar? O que mudar? A perguntava martelava na minha cabeça até o dia do ritual. 
Tudo estava pronto, o conselho estava todo presente. Eu seria punida se fizesse algo contra as regras, eu sabia, assisti bruxas viajarem no tempo centenas de vezes.
"A qual idade quer retornar?" me perguntaram e eu hesitei a responder. Forcei um pouco mais o pensamento e me lembrei do meu aniversário de 10 anos e de como eu estava empolgada em ter uma década completa de vida. Engraçado que hoje completo 50 e a sensação de décadas completas ainda existe.

Com o pensamento, me veio a epifania de que eu não mudaria nada em toda a minha vida. Que agora estou bem e não exista nada que fosse mudado e me faria sentir-me melhor. Mas há algo que eu posso fazer. Sem mudar nada e que vai dar força a mim mesma, no passado.

"Quero voltar 40 anos, por favor."


O feitiço foi lançado.

"Ventos do tempo. Relógio contrário.
Deuses do passado a levem em segurança. Que o passado se molde. Que o futuro seja manso.

Ventos do tempo. Relógio contrário. A tragam em segurança. Que o passado seja manso.
Ventos do tempo. Relógio contrário.
Ventos do tempo. Relógio contrário. 
Deuses do céu. Deuses da terra. Deuses do mar.



Ventos do tempo. Relógio contrário.

Ventos do tempo. Relógio contrário."

Cheguei ao meu aniversário de dez anos. A manhã dele, pra ser mais exata. Eu-criança ainda dormia. 
Mamãe entrou no quarto e eu não me assustei. Nem ela.
"Oi mãe. Como você está linda."
"Eu sabia que viria."


Tinha me esquecido do quanto ela era linda, de como os cabelos brilhavam, a pele parecia seda. Que saudade eu sentia do cheiro dela.
Nos abraçamos e contei-lhe sobre meu futuro. Disse à ela que as aulas de balé não me deixaram sentir dor nas costas e ela riu. Contei que fazia parte do conselho e vi seus olhos marejados. Sabia que ela se orgulharia. Falamos pouco, o tempo era curto.
"O que você vai mudar, filha?"
"Só preciso de um papel e uma caneta, mamãe. Eu não quero mudar nada. Estou bem, feliz. E a única coisa que eu mudaria, seria para ter você por perto, mas não posso."
Ela tocou meu rosto envelhecido e disse para eu assumir o grisalho, que ficaria lindo. Lembrou-me que meus traços são fortes como o de meu pai. E que eu era uma garotinha incrível, aos 50 anos.
"Você não vai mudar nem aquela história com aquele homem fedido?"
Eu ri baixinho. Eu-criança não poderia acordar e me ver ali. (uma das regras: não deixe seu passado ver você.)
"Mãe, o quanto aprendi com ele foi essencial pra quem sou hoje. Eu não mudaria. Não anularia a história. Só preciso dar alguns conselhos a mim mesma."

Minha mãe me deu um abraço apertado, disse que confiava em mim, sempre confiou, e estava muito orgulhosa.
"Feliz aniversário, meu amor."
Abraçou-me mais uma vez e saiu do quarto.
Conhecia o espaço como a palma da minha mão e fui até o armário onde guardava papéis, canetas, e me coloquei a escrever.


Acordei e sabia exatamente que dia era. Finalmente 10 anos de idade. Sou uma mocinha. Pré-adolescente.
Abri os olhos devagar para me acostumar com a luz que vinha pela janela. Rolei pela cama e, ao lado dela, no criado-mudo, tinha um envelope diferente. Abri-o rapidamente e comecei a ler.


"Feliz aniversário, pequena.
Você vai ser muito feliz. Muito mesmo. E será importante. Mas antes, você vai passar por situações difíceis que só te farão ser mais esperta, inteligente, mais especial.
Nunca se esqueça que só você manda em você (e mamãe, ela é a pessoa mais incrível que você vai conhecer. Tente não arrotar na mesa e faça as aulas de balé sem reclamar.).
Nunca deixe que ninguém te controle, te manipule, diga o que você deve ou não fazer, o que pode ou não fazer. Não permita que digam que você é incapaz, desimportante, feia ou qualquer coisa negativa.
Você têm princípios. Não os traia. Nunca duvide da sua capacidade, da sua força, suas habilidades, talentos. E quando alguém elogiar você, agradeça. 
Não se reprima e não se oprima. Não se rebaixe. Não duvide das suas intuições. Elas não erram. Assuma seus erros com responsabilidade, sempre de cabeça erguida.
E ame. Ame muito, mas com os pés no chão, não se traia, não abandone as suas convicções. Não confie em ninguém mas aprenda a hora de dar um voto de confiança.
Não existe fórmula certa, bebêzinha, para a felicidade. 
Algumas coisas você só aprenderá consigo mesma.
Com amor,
Para você."

Entreguei à carta a mamãe, que chorava discretamente enquanto lia.
Ela me abraçou e disse que me amava muito. E me fez jurar que seguiria àqueles conselhos que eu nem sabia de quem eram. Disse que um dia eu entenderia.


Hoje, aos 50 anos, eu releio a carta e sei que tive a melhor vida possível.



Tema do desafio: Conselhos que daria a si mesma, no passado.
"quando eu faço amor contigo, sou o desgraçado mais feliz desse mundo."

sexta-feira, 3 de julho de 2015

partida

"Eu nunca soube o que fazer. Por favor, me perdoe." Ela dizia, sentada àquela mesa vazia.
"Só me dê um motivo. Eu preciso compreender. A tormenta diária, meu amor, é insuportável." Eu tentava arrancar o mínimo de respostas dela. Por quê aquilo?
"Me perdoe. É só do que eu preciso. De perdão. Você me perdoa?"
Ela começou a chorar compulsivamente e eu tentava segurar as mãos dela mas não conseguia. Ela chorava cada vez mais e cada vez mais alto. Eu estava me desesperando.
Como foi que mudamos de lugar? Que diabos de lugar é esse? Por que tudo é tão branco?
"Me perdoe, amor. Já não tinha mais o que aplacasse a minha dor. Eu precisava dormir."
Eu não conseguia tocá-la. Quanto mais eu me aproximava, mais ela se afastava.
Eu gritava por ela e tentava abraça-la a todo custo. Eu a perdoava, é lógico. Nunca a culparia por ter feito isso. Mas ela não sabia e eu precisava dizer que a amava.
"Meu amor, por favor..." eu implorava, aos prantos.
"Eu amo você e estou sempre contigo."
Acordei no chão, suado, o rosto lavado de lágrimas. Caí da cama e nem percebi.
Esse mesmo diálogo era reproduzido todas as noites, em situações diferentes.
Desde a partida dela, eu nunca mais tive um bom sono, um bom sonho.



Tema do desafio: "as conversas que só temos nos meu sonhos" do ponto de vista dele.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

foto grafia

Imagens congeladas a apavoravam. Nunca se deixou ser fotografada.
Não queria ser impressa num pedaço de papel. A vontade era viver em movimento dentro dos pensamentos de alguém. 
Os registros que existiam foram feitos pela mãe, durante os primeiros anos de vida.
Fugia das câmeras nas festas de aniversário, no colégio, com as amigas, namoradinhos.
Sempre dizia: "me deixe dançar dentro de você, aqui, na sua cabeça".
O sorriso depois do pedido era tão largo e sincero e convincente, que era praticamente impossível não atendê-lo.
O curso da vida seguia tão naturalmente quanto podia, enquanto podia.
Era um dia bonito e ela andava de forma tão graciosa, que mal podia-se ver seus pés tocando os paralelepípedos da calçada.
Até que ela o viu.
E o tempo desacelerou. As pernas falharam. O ar fugiu dos pulmões.
Cabelos negros perfeitamente desarrumados. Olhos marrons, da cor de chocolate. Chocolate derretido em banho-maria. Mãos pálidas, de dedos finos e compridos, e um anel prateado no dedo indicador esquerdo, manuseavam uma câmera fotográfica com habilidade.
Ele focava o alto dos prédios, como quem enquadra o céu também. 
Percebeu-o fotografando, discretamente, um casal que passava de mãos dadas.
Não foram só os traços incomuns que prenderam a atenção dela. A graça no olhar, o carinho com que segurava o objeto, o sorriso satisfeito depois de cada clique perfeito.
Ele fotografava por amor.
Uma buzina na rua a despertou dos devaneios. Respirou bem fundo buscando coragem para se aproximar daquele homem e foi.
"Com licença. Desculpe o incômodo", as palavras saiam desenfreadas e ele sorriu de volta. Apertou a mão dela, em cumprimento, com firmeza e delicadeza ao mesmo tempo, perguntando no que podia ajudá-la.
"Eu queria que você me fotografasse, uma vez", ela proferiu em sussurro, de olhar baixo, sentindo-se atrevida e inconveniente, quase culpada.
Ele tomou a câmera nas mãos com agilidade e destreza e a puxou delicadamente até onde julgara possuir boa luz.
"Sorria", ele pediu.
Mas ela não sorriu.
Ele a registrou. Ela agradeceu e disse não querer a foto. foram embora e nunca mais se viram. 
E ela conta que se permitiu ser fotografada uma vez, por alguém que amava o que estava fazendo. E foi só essa vez.





Tema do desafio: A primeira e última vez que ela se permitiu ser fotografada.



casais #1

Ela era bem bonita. A pele bem clara, rosto meigo, quase como uma boneca. A cor do cabelo, até agora não conseguir decidir se era louro ou ruivo...
Ele, só vi de costas.
Estavam sentados à mesa ao lado da minha e nem sequer imaginavam que uma estranha os observava com tanto interesse.
Ela mantinha o olhar distante, um bocado triste e, vez ou outra, bebericava o refrigerante.
Ele mal se movia, mesmo de costas à mim, era perceptível que ele não falava uma palavra sequer. O silêncio dos dois pesava em mim.
Da mesma forma que mexemos no celular quando queremos evitar conversas, falta de interesse e etc, ela coçava os olhos freneticamente para que não precisasse olhar para outro lugar que não fosse a superfície da mesa.
Talvez eu esteja sendo presunçosa achando que sei tanto sobre um casal que nunca vi na vida. Mas sou boa observadora. Sempre fui...
A forma que ela coçava os olhos sem parar, carregava o mesmo sentimento de quando eu precisava acender um cigarro atrás do outro pra evitar uma conversa que eu não queria ter.
Ele falou alguma coisa e ela respondeu com um sorriso fino, sem empolgação, sem ânimo.
O que fez aquele sorriso ser tão sem-graça? Porque não conversavam? Não seguravam na mão um do outro, não se divertiam?
As nuances de uma relação amorosa sempre me interessaram. Os casos, histórias de amor e suas peculiaridades que nunca são iguais de um relacionamento pra outro.
Observo a interação de casais por aí há tempos. O nível de intimidade que demonstram publicamente, o que os olhos dizem, o que o corpo diz. Alguns pares já me são conhecidos, sempre os vejo na fila do supermercado, no meu ponto de ônibus e nem sabem quem eu sou.