segunda-feira, 18 de agosto de 2014

"Dizem que o tempo resolve tudo. A questão é: quanto tempo?"

Veja bem, Sr. Coelho Branco, isso depende unicamente de você. Apenas pare de olhar o relógio todo o tempo e achar que está atrasado para tudo e para nada. 
Deixe que o tempo caminhe à sua maneira, sem pressioná-lo, e tudo será resolvido o quanto antes. Apenas deixe de sofrer por isso. 
Por que todo esse alvoraço e inquietação? Essa sangria desatada? Está indo tirar o pai da forca? Pra quê tanta pressa? Assim vais enlouquecer.
Não foi tu mesmo quem disseste que a eternidade pode durar apenas um segundo?
Ora, guarde esse relógio.
Melhor, deixe-o em casa. Hoje você sai sem hora pra voltar, vivendo minuto por minuto, um de cada vez.
Vai ver, Sr. Coelho, até o chá fica mais gostoso se você permitir que ele infuse por mais tempo, tranquilamente.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

REDAMAR

"Nenhuma palavra precisa sair pela tua boca para que eu saiba o que queres dizer.
Teus olhos sempre me entregam tudo. Cada pensamento.
Teu corpo, teus gestos e movimentos me dizem exatamente o que devo, ou preciso, ou quero saber.
Das tuas mãos, sempre sei onde anseiam repousar: em mim.
Dos teus lábios, onde querem tocar: nos meus.
Dos teus olhos lindos, o que procuram: a mim.
E os teus ouvidos que querem ouvir o que já sabes há muito.
Que é a maior verdade sobre nós.
Que é o que temos de mais valioso.
Que faz "redamar" ter todo o sentido:
Que te amo."

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Silêncio

Pela primeira vez em anos, sem exagero algum, minha casa ficou em silêncio.
Não há televisão ligada em nenhum dos quartos.
Não há conversas paralelas.
Não há nem sequer a correria dos gatos no telhado ou o uivo dos cachorros no portão.
Até os vizinhos resolveram se calar.
E a casa está escura.
Será que é assim que cada morador dessa casa se sente hoje? Escuro e silencioso?
Não perdemos ninguém, perdemos mais. Hoje, um laço foi cortado.
Um par de alianças ficou em cima da cômoda do quarto.
Hoje foi decidido que não se brinda com uma taça se a outra quebra.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Chinelos de pés trocados

É engraçado o sentimento de alegria que me invade quando presencio um ato de gentileza inesperado. É como se eu sentisse uma cosquinha nos cantos dos lábios, a esperança na humanidade fosse, nem que minimamente, renovada, e eu sorrio inconscientemente. Adoro a sensação.
Essa tarde estava na biblioteca pública da cidade. É um lugar sempre cheio de gente que vai estudar, que vai matar o tempo lendo HQs, mangás, ou para ver filmes na filmoteca. Enquanto esperava minha carona, me deparei com uma cena que me prendeu a atenção. Na verdade, duas cenas simultâneas, paralelas, que se tornariam uma só, em poucos passos.
Um rapaz, funcionário da biblioteca, vinha à passos lentos e atenciosos em direção à porta. Usando-o de apoio, no seu encalço, um senhor bastante alto, com uma bengala em uma das mãos enquanto a outra repousava confiante sobre o ombro do rapaz, permitindo que este o guiasse. Deficiente visual, é claro.
Em segundo plano, mas não menos importante para a observadora que vos escreve, vinha em direção à saída também, uma senhora, provável moradora de rua, vestindo farrapos e chinelos de pés trocados. Arrumava os cabelos passando a mão rapidamente. Andava ao lado de meus primeiros personagens, mas não junto.
Ela me parecia desatenta ao que acontecia a sua volta, de modo geral. Engano meu.
De repente ela apressou os passos e chegou a porta de vidro da saída e abriu.
E segurou.
E esperou o rapaz passar conduzindo o senhor.
O jovem sorriu a ela em agradecimento, e tomou o caminho da direita. Ela soltou a porta e tomou o rumo da esquerda. Não deu importância ao seu gesto de gentileza, como se não fosse grande coisa. Mas eu dei, e senti a cosquinha no meu rosto e sorri.
Ver atitudes como essas, de pessoas improváveis, quando você menos espera, é como ver uma flor brotar no lixão.
Nessa sociedade corrompida em que vivemos, cheia de egoísmo e falsa moral, eu dou o maior valor do mundo a quem anda com os chinelos trocados e corre abrir a porta para quem precisa.
Ps. Nossa biblioteca disponibiliza um acervo literário em braile para os deficientes visuais. Então, não raro você cruzará com algum deles se vier à Biblioteca Pública do Estado do Acre.