terça-feira, 16 de abril de 2019

Garotinho

Juntos há pouco mais de duas semanas, chegara a hora de conhecer seus amigos. Marcaram um almoço de domingo, todos reunidos de uma vez para, enfim, conhecerem quem era a famosa garota que conseguiu a façanha de, finalmente, fisgar o peixão que meu namorado é. Pelo menos é assim que ele mesmo fala, se envaidecendo todo.

Assumo: estava um pouco nervosa. O que eles esperavam encontrar? E se fossem apáticos e antipáticos comigo? Será que meu namorado se esforçaria pra me deixar a vontade ou me enturmar seria um trabalho só meu?
Fui repassando todos esses pensamentos e as regras de etiquetas conhecidas por mim, numa tentativa de fazer o menos feio possível pr'aqueles estranhos para mim e pessoas importantes para ele.

- Ei, se acalma! É só um almoço. Andréia disse que faria lasanha. A lasanha dela é boa que só! Você vai se dar bem com todo mundo, é tranquilo. - apertou minha mão e me deu selinhos repetidos.

Fomos os últimos a chegar e todos - dois casais - já estavam na varanda a nossa espera. Quando notaram nossa presença, todos os olhares pousaram em mim e senti meu rosto arder de vergonha. Poucos segundos depois (que pareceram uma eternidade) os amigos se aproximaram me dando as boas vindas, dizendo que logo o almoço estaria servido.

Depois disso, foi bastante tranquilo. Fui bem recebida, fiquei realmente a vontade e tomamos algumas cervejas. Não fiquei bêbada, mas fiquei alta, e sabe como é a loura gelada: ela entra, ela precisa sair.

- Onde fica o banheiro?
- Entra pela área de serviço, passa pela cozinha, primeira porta do lado esquerdo. - Andréia, a dona da casa, respondeu me indicando a direção.

Quando me levantei, percebi que estava um pouco alta demais. Meus passos estavam vacilantes e caminhei devagar pra não parecer uma bêbada doida trocando as pernas e ainda correr o risco de cair na frente de todos aqueles estranhos e meu novo namorado.
Estávamos do lado de fora e a casa era bastante grande. Atravessar aquela varanda enorme, área de serviço e encontrar o banheiro num lugar totalmente desconhecido por mim, seria uma tarefa fácil se não estivesse ébria.

Quando coloquei meus pés nas área de serviço, um garotinho de cerca de 2 anos, usando fralda descartável e segurando uma fralda de tecido na mão estava lá. A princípio, tomei um susto pois não esperava encontrar alguém. Não era nada demais, devia ser filho de alguns dos casais e estava dormindo quando cheguei.
Ele gesticulou um "vem cá" com a mãozinha que não segurava a fralda de pano e saiu andando. Comecei a segui-lo e reparei o quanto a casa era escura por dentro. Pouquíssimas janelas, mal iluminada. Apesar de estar um dia de sol intenso, a casa era sombria.
Isso me incomodou, mas foi totalmente pessoal. Gosto muito de boa entrada de luz solar, paredes claras e janelas grandes.

Junte esse pequeno breu, ao fato de eu estar sem meus óculos de grau e um pouco de álcool no meu sangue. Conseguia enxergar bem pouco mas o garotinho seguia caminhando na minha frente e, às vezes, olhava para trás como que para confirmar se ainda o estava seguindo. Claro que eu estava! Se eu tinha chance de ser amiga de uma criança, não a disperdiçaria, e quase me esqueci que precisava fazer xixi e não prestei atenção no caminho.
O menino parou e apontou para uma porta.
- Você quer que eu abra? O que tem aqui?
E então abri. Era o banheiro! Sorri, agradeci ao bebê, entrei e fechei a porta.

Quando saí, alguns minutos depois, o efeito do álcool estava bem mais ameno. Olhei em volta, vi a cozinha e ouvi a voz da turma lá fora e encontrei a saída. O menininho já tinha saído também.

- Tu demorou! Conseguiu achar o banheiro? - Andréia perguntou.
- Sim! O menininho me mostrou o caminho, me levou até o banheiro.
- Que menino? - meu namorado perguntou estranhando.
- Uai, acho que a gente acabou acordando ele com o barulho. Quando entrei, ele tava na área de serviço e me levou ao banheiro.
- Não tem nenhuma criança nessa casa. Não tem mais ninguém além de nós.
- Eita!

segunda-feira, 15 de abril de 2019

bebedeira

Não era pra ter sido assim. Eu só queria me divertir, relaxar depois de uma semana estressante (como todas têm sido há tempos). Mas eu não sei mais beber. Acho que nunca soube.
Sempre que bebo, sigo um roteiro próprio, que não é ensaiado, mas sempre acontece igual. Nas primeiras doses, meus músculos relaxam e meus braços pesam; as pernas amolecem e eu sinto que estou bastante relaxada.
Depois, se continuo a beber, minha visão começa a me enganar um pouco. Perco a noção de profundidade e poderia parar por aí se tivesse parcimônia. Logo depois chega um rápido momento que meu parceiro reconhece bem: eu o olho diferente, o beijo diferente e sinto o álcool me esquentar entre as pernas. Embora eu tenha insistido muitas vezes, ele nunca me toca quando chego nesse estágio. Geralmente é quando ele me aconselha a pisar no freio.
Mas não ontem. Estávamos em casa, vendo um filme, comendo salgadinhos. O que poderia dar errado? Ele não me aconselhou a parar e eu segui bebendo. Dane-se se amanhã é segunda-feira.
Bebi mais um tanto e perdi o filtro.
Sentada no chão da cozinha, enquanto comia dois chocolates a fim de colocar um pouco de açúcar pra dentro, eu disse que queria chorar.
Carinhosamente ele me sentou em seu colo e me tranquilizou pra fizesse isso sem medo, sem segurar, sem julgamentos. Que arriasse toda a carga que venho carregando. E assim o fiz.
Chorei no seu ombro, molhei sua camisa, chorei no travesseiro. Chorei e chorei até dormir.
 
Chorei por causa dos dias nublados que escondem a esperança de um sol de rachar; a falta de perspectiva; medo do futuro; medo do presente e todas as coisas que andam me tirando o sono; ansiedade por não conseguir lidar com os planos a longo prazo; o sofrer por metas não atingidas. Os conflitos familiares; o emprego que detesto; não saber o que fazer dessa vida...

Na manhã de hoje, um misto de tristeza e vergonha pelo vexame, além de uma ressaca leve. Logo veio o acalento "disse pra você bêbada e digo pra você sóbria: sempre estarei aqui e você nunca estará sozinha". Tenho tanta sorte, que nem sei!

sábado, 13 de abril de 2019

Minha versão dos Sete Dias

- Tem esse cara, sempre vejo os vídeos dele no YouTube, ele salta de paraquedas SEM parqueadas.
- Sim, suicídio que chama. - eu respondi rindo.
- Ele joga o paraquedas primeiro e depois pula atrás pra buscar, ou então ele salta e alguém salta atrás dele. Eu acho sensacional. Morro de vontade de fazer também. Um dia vou fazer!

Ele contava empolgado, como se aquilo fosse a coisa mais legal do mundo. De fato, parecia ser muito divertido, mas gosto muito mais dos meus pés no chão. Bem firmes. Em segurança.
Era hipnotizante vê-lo com os olhos brilhando enquanto falava das coisas que gostava, das coisas que queria me mostrar e queria fazer comigo também. A voz que ficava cada vez mais alta, revelando tamanha excitação em me apresentar seu mundo. E o sorriso largo. Que sorriso! A boca perfeitamente desenhada, os lábios carnudos, os dentes alinhados de forma típica de quem já usou aparelho. Aqui posso confessar que tenho certa fraqueza por sorrisos pós aparelho ortodôntico.

Conversa vai, conversa vem, e eu me via cada vez mais envolvida. Há quase duas semanas nos víamos quase todos os dias. Todo o tempo do mundo parecia pouco pra gente. Tínhamos tanto a falar, a ouvir. Coisas a descobrir sobre o outro. Contar sobre as cicatrizes de infância, encontrar marcas de nascença parecidas em ambos e ter certeza absoluta de que o destino fez um trabalho bem feito. Ali, naquela noite, eu já sabia que estava apaixonada e não queria estar em outro lugar que não fosse aquele.

E então, depois de uma daquelas gargalhadas que acabam num suspiro e um silêncio confortável, ele tomou minha mão pra si, endireitou a postura, ficou sério de repente.
- Quero te perguntar uma coisa, mas não sei bem como.
Ele me olhava nos olhos e eu sabia o que viria. Meu estômago deu um nó, meu coração batia tão rápido, tamanho o nervosismo, que jurei que sairia pela boca. Minhas pernas tremeram e quiseram fraquejar, e continuar de pé foi um esforço gigantesco.

Nunca vou me esquecer daquela noite. Do rio atrás de nós, das luzes do calçadão, do banco onde conversamos por horas, do bêbado aporrinhando, o lugar onde comemos a esfirra mais ruim, cara e de péssimo atendimento até hoje. E sensação de que nada faltava.

- Quer namorar comigo?

Aí estava a pergunta que eu esperava. Que queria dizer "sim" imediatamente, mas não pude pois ainda tinha assuntos a resolver antes disso.
Sorri marota e se meu senso de humor foi uma das coisas que o mais fascinou, ia provar dele na pele.

Esse negócio de pular da ponte no rio, pular sem paraquedas... Me deixou aflita sem razão de ser. A menor possibilidade, por mais remota que fosse, de perdê-lo, ainda que nem fosse meu, me fazia querer chorar. Precisei disfarçar enquanto ele falava, mas agora poderia usar isso a meu favor.
- Só se você não pular mais da ponte e parar com essas conversas de saltar de paraquedas sem paraquedas. Aí eu penso no teu caso e te respondo daqui 7 dias úteis.


A versão dele você pode ler aqui

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Honda Civic 2008/2008

Quem olhava de longe podia afirmar: não tá bonito de se ver, tá avariado, precisa de muitos reparos. Mas tem potencial. Vai ser custoso, mas pode voltar a ser o que era antes. Será? Às vezes, quando começa a tentar remendar, fica pior. Sempre aparece um problema novo que nem se imaginava que existia.

Lembra como era antes? Bonito, imponente. Enchia os olhos de quem via. Fazia uma certa invejinha. Mas agora, os dias de glória passaram.

Se olhasse de perto, parecia que tava de longe: era ainda pior. Por dentro, tanta coisa corroída, rasgada. O barulho doía no ouvido, fazia vergonha. É uma pena. Isso fora os problemas envolvendo terceiras pessoas. Ou quartas e quintas.

Lembra como era antes? Difícil se desfazer dele, né? Significa tanta coisa. Embora se saiba que é o certo a se fazer. Já faz tanto tempo... Tem um certo apego. Mas apego nem sempre significa algo bom, não se esqueça.

Aceitar a hora de seguir em frente é muito doloroso pra ela. É ter que lidar com o fracasso de não poder mais mantê-lo e que as aparências estão bem longe de ser o suficiente. Ainda pode parecer ser grande coisa, mas não é mais funcional. Tem dado dor de cabeça, gasto, briga... Não vence botar reparo.

É tanta coisa errada que ele perdeu o valor. Infelizmente. Você pode querer que ele valha dezenas de milhares, mas não é mais assim. Eu sei, não dá pra ficar por baixo. Quer e merece mais. Mas adianta?

Melhor assinar o divórcio de uma vez e vender esse carro.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Prestes a tomar um banho, ouvi a água bater no telhado. Sorri traquina.

Sem pensar, nua saí do banheiro e o encontrei no fogão. "Estou fazendo certo?" quis saber, apontando pra panela.

Me aproximei e apaguei o fogo. Puxei pela mão, porta a fora. "Vamos?" eu convidei quase implorando. Talvez nem quisesse, mas acho que não conseguiria me negar, tamanho o brilho que eu sabia que tinha nos olhos.

A água despencava com força, a grama já estava encharcada. Abaixou o short e se igualou comigo. Ambos em pêlos.

"E se chegar alguém?"

Numa euforia completamente infantil, ao som de gargalhadas quase exageradas, corremos pelo quintal; nos banhando na água gelada da chuva; nos divertindo numa biqueira; com os cachorros; propondo uma aposta de corrida; reclamando que correr pelado não era tão confortável assim, mas ainda engraçado.

E toda vez que a água gelada me incomodava um pouco mais, sentia minha pele arrepiada, os pêlos eriçados, os mamilos se encolhendo, eu o abraçava; ainda gargalhando.
O calor do corpo dele provocava um pequeno choque de temperaturas. Como podia continuar ainda tão quente?

A chuva foi diminuindo, até virar um sereno chuvisco. Disse-lhe que há muito não tinha momentos tão divertidos quanto os últimos 20 minutos. Minhas bochechas doíam de tanto rir, meu abdômen também.

"Quero te dar mais disso. Dessa diversão."

Sorri besta entre beijos.
Lavei o barro dos pés e fui pra um banho quente enquanto ele terminava nosso almoço.