domingo, 29 de março de 2015

"Você tem uma nova mensagem de texto"

Aquele dia amanheci sentindo o estômago embrulhado. Achei que fosse o jantar da noite anterior. Achei que fosse a gastrite. Sentia um nó na garganta. Era como se algo dançasse dentro de mim.
Então recebi sua mensagem.
O frio na barriga era só paixão acompanhada de saudade.

espera

Ainda estou esperando a ligação que me prometeu.
Aquele sinalzinho de vida especial, que você costumava me dar.
A satisfações que me dava, sem que eu pedisse, e adorava me contar cada passo do seu dia.
O bom dia quase religioso.
O boa noite sagrado.
E faz tanto tempo que o telefone está na minha mão e não toca, não vibra.
Eu não vibro. Não mais.

Meu amor tem sido alimentado por palavras mudas.

embalo do badalo

Entre os seis e o oito anos de idade morei numa pequena cidade interiorana, conhecida por Terra do Amendoim. Morava ao lado da casa dos meus avós e tios e na esquina de casa havia (e ainda há) uma antiga igreja católica. 

Visualmente falando, a igreja é bastante tradicional: um painel bonito no altar, um grandioso Jesus Cristo entalhado em madeira, numa cruz, todo envernizado, representando o sofrimento do filho do Todo-Poderoso. Os bancos de madeira, divididos em duas filas e eu, que só fui em uma única missa.
O sino era tocado religiosamente(!) por um senhor, que morava nas dependências da igreja, nos fins de semana, para anunciar a missa.

Poucas coisas me deixavam mais feliz que me sentar na varanda escura da casa da minha avó, acompanhada pela tia Eliane e pelo meu avô e esperar pelos badalos intermináveis do sino.

E contá-los.

Não havia padrão. Era tocado quantas vezes aquele senhor que eu não conhecia o rosto, quisesse. Quarenta vezes. Cinquenta. Oitenta. Cem vezes... O grande sino em frente à paróquia, ao lado da porta de entrada, era apenas tocado.

O silêncio da pequena cidade só era quebrado pelos grilos, cigarras e o sino, enquanto as estrelas tomavam forma e brilho no meu céu favorito.

Divididos entre cadeiras de balanço e um banco de madeira, branco, ao estilos dos bancos de praça, contávamos. O número sessenta e dois é nítido na minha cabeça. Por vezes eu perdia as contas e recomeçava o continuava de onde eu achava que estava, mas sessenta e dois é claro para mim. Pode ser que minha tia tenha outras contagens e meu avô também.

Soube que o senhor morreu e me disseram que, hoje, quem toca o sino, não tem mais o mesmo entusiasmo. E não tem mesmo, visto que da última vez contei dez toques.

Não há moralismo não minha história, nem nada a ser refletido. Só a saudade que eu carrego dos cantos de cigarra e noite embaladas por badalos.

sexta-feira, 13 de março de 2015

otimismo de ilusão

Quando eu e meus irmão éramos crianças, sempre que um gato de estimação sumia, era um deus-nos-acuda. Procurávamos por toda a vizinhança, minha mãe tentava consolar, dizia que ele poderia ter apenas ido dar uma voltinha e voltaria, ou que estava escondido em algum lugar por aí. Às vezes, o gatinho tinha até morrido e a mãe nos escondia.
Quando anoitecia, era a pior parte. Acontece que os bichanos, na minha casa, sempre foram tratados feito gente, cheios de regalias, inclusive, dormir na cama conosco. Anoitecia e o chororô era um só:
-Tadinho, mãe. Acostumado a dormir com a gente, no quentinho, agora deve tá com fome, com frio, dormindo na rua, no chão sujo e duro.
Incrível como o discurso sempre se repetia.
Minha mãe, na tentativa de consolo sempre dizia:
- Vocês preferem acreditar que ele tá mesmo nessa situação ou que alguém achou ele e levou pra casa? Porque bonitinho daquele jeito, crianças, eu duvido que alguém não queira.
Claro que sempre preferíamos pensar na segunda opção. O gatinho sumido foi acolhido por alguém.
É curioso pensar no otimismo que mantínhamos nessa situação. A mãe, que tentava nos proteger do sofrimento, acabava criando uma ilusão pra gente, que nem ela acreditava. 
Hoje percebo que a gente vive criando ilusões pra se proteger do impacto da realidade, sobre todos os assuntos a nossa volta. É o tal do otimismo.
Até hoje, tamanhos 20 anos nas costas, meus irmãos com 18 e 15, sempre que um gato nosso ainda some, nos entreolhamos e dizemos:
-Alguém deve ter pego ele na rua, né?


Lucas, Rodrigo e eu, nessa ordem. O miante chamava-se Billy. Alguém deve tê-lo pego e levado pra casa.

quarta-feira, 11 de março de 2015

indivíduo na multidão

É, no mínimo, interessante olhar alguém e imaginar coisas à seu respeito e sobre a vida que leva (sem más intenções). Ver aquele senhor empurrando a bicicleta na calçada e imaginar como foi a infância, a vida em família, se casou, se viveu um amor avassalador. "Será que ele está indo ou vindo do trabalho? O que será que vai ser a janta na casa dele? Será que tem alguém que o espera? Será que se sente feliz?" É engraçado até onde esses pensamentos me levam. Chego a imaginar diálogos com as esposas, filhos, maridos, amigos, conversas de bar, opiniões e etc. 
É louco imaginar que cada pessoa no mundo tem o seu próprio mundo. Seus gostos, suas opções, seus problemas, medos, alegrias, anseios, a comida favorita, amigos, desafetos, o programa de TV que detesta, suas saudades, memórias, um cacareco do qual não se livra jamais. Coisas corriqueiras, presentes na vida de todas as pessoas. Todas mesmo, sem exceções.
É um hábito bobo que eu cultivo. Minha mãe até diria que é falta de educação reparar nas pessoas. Mas é um bom exercício pra lembrar que o meu umbigo não é o centro nem do meu mundo, quiçá do universo inteiro.

terça-feira, 10 de março de 2015

passarinho no muro

A vida é passarinho livre e a morte é gato à espreita, esperando a hora do bote certeiro.

No sentido literal. 
Aconteceu comigo essa semana. 
Um dos meus gatos atacou um passarinho e estava desfilando com ele na boca, pela minha varanda, exibindo seu feito. Era seu troféu, a prova de que ainda havia instinto selvagem em seu sangue.
A pequena ave ainda piava, com tom de súplica. Com firmeza e cuidado apanhei-a de entre os dentes do felino, que se mostrava nada satisfeito com a minha atitude.
Tão bonito o passarinho. Olhos avermelhados, no tom marsala, piscavam devagar. A penas pretas e marrons reluziam com o reflexo da luz da lâmpada da cozinha. O bico era longo e fino, quase amarelo-queimado. Não sei que espécie era.
Na palma da minha mão, grande, por sinal, ele parecia ainda menor. O segurava com cuidado e ele respirava rapidamente, eu conseguia sentir seu coraçãozinho batendo acelerado. Não havia o que fazer.
Só esperar.
Fiquei observando e pensando no quão frágil a vida pode ser. A morte é inevitável e você nunca saberá se morrerá naturalmente ou se o ar de seus pulmões lhe será arrancado brusca e inesperadamente, como um passarinho pousado no muro alvo de um gato.
Mas esse é o tipo de pensamento que pode atordoá-lho em questão de tempo. Se você vive com medo da morte, não viverá uma vida onde aceita morrer em paz.
O passarinho na minha mão deu três suspiros longos, pareciam doloridos.
Tentou se levantar uma última vez e relaxou por completo entre meus dedos. 
É assim que acaba, não é? A vida. Depois de tanto corre-corre, ansiedade e todos os dilemas, só relaxamos por completo quando ela acaba.

Enterrei o passarinho ao pé de uma moita, na praça ao lado da minha casa.

sábado, 7 de março de 2015

"mas sou eu"

Se eu te contasse que, durante o sono da tarde, sonhei com você, é certo que riria de mim.
Claro, teu maior dom é o de não me levar a sério.
É incapaz de acreditar no meu desejo por você. Pede por explicações, não entende, não aceita e não se permite.

E não me permite 

que te mostre

que
sou
e
u

repare no que não vê.

Eu não tô pedindo pra você perceber que eu pintei o cabelo de azul, discretamente, na parte de trás, na nuca. 
Nem quero que repare que consegui, finalmente, parar de roer as unhas e as pintei de vermelho.
Muito menos que pintei as dos pés de preto.
Não quero que perceba meu vestido novo e que eu troquei o batom vermelho por um rosinha delicado.
Quero que perceba minhas mãos inquietas, que não param de estalar os dedos, e minhas pernas que balançam para frente e para trás.
Perceba que não implico com o seu comentário bobo.
Repare bem na piada que eu não fiz. Na oportunidade que deixei passar e não disse algo que renderia bastante assunto durante o jantar.
Que prefiro acender um cigarro. E depois outro. E mais um, em seguida.
Veja além do meu tênis vermelho e a saia azul.
Presta atenção, que eu não olho nos seus olhos.
Mas também não olho pra lugar nenhum.

de onde vem o medo?

Tenho medos tão enraizados em mim que é realmente difícil separá-los por categorias.
"Tudo o que eu tenho medo de encontrar no quartinho dos fundos da minha casa, um passo pra frente. O medo que eu tenho da faculdade dar errado, fica aqui do ladinho, ó. O medo de ficar sozinha pra enfrentar a vida, você, por favor, se retire." Não consigo!
Sei que todos eles existem, mas não sei do que são provenientes, como começaram ou que fazer para cessá-los. Não consigo sequer falar deles, defini-los ou caracterizá-los. Só sei que existem e são capazes de tornar minha ações, reações e relações tão ansiosas e angustiantes. Incertas e receosas. Não sou capaz de dar espaço a nada novo e nem sei como justificar tal ato. Há tanta insegurança que perco o que há de bom. Passam-se os dias e as oportunidades e os possíveis novos amigos e os possíveis eternos amores que eu nunca saberei.
De onde vem todo esse medo, que eu nem sei como chegou aqui, e muito menos me lembro de ter lhe dado permissão para se alojar nesse buraquinho do meu peito? (Aliás, o inquilino indesejado se acomoda tão bem quanto um passarinho no ninho) Do que eu o alimentei para que crescesse tanto? Como é que eu faço pra lidar com ele, tão teimoso, o insolente? Nunca me obedece. Não sai quando eu mando, não fica quieto, não caça o que fazer pra lá. O pior é que nem temos intimidade. Nunca perguntei seu nome e muito mal conheço sua face.

quarta-feira, 4 de março de 2015

plástico bolha

Há algo sobrenatural no prazer que se tem quando estouramos plástico bolha. Cada bolinha estourada é uma pontada de satisfação e os barulhinhos parecem provocar relaxamento. E a sensação de achar uma bolhinha nova, quando achamos que estouramos todas? Demais.
Sempre gostei de estourar plástico de bolha de um jeito prático: enrolando todo na mão e o torcendo. Estourando tudo de uma só vez. As bolhas pipocam feito pipoca na panela, mesmo. Mas a graça logo acaba. Acaba o plástico. Acabam as bolhas. Acaba a diversão.
Nos meus pensamentos, frutos dessa panela de pressão, como costumo chamar a minha cabeça, percebi certa semelhança entre os plásticos que estouram rapidamente e a forma como conduzo a minha vida. Sempre atropelada, tento fazer tudo de uma vez (muitas vezes não funciona), faço rápido, ligeiro, praticidade é meu lema. Minha mãe costuma dizer que sou um trator levando tudo pela frente.
Mas é o prazer? Prazer em observar e absorver cada detalhe de cada elemento de cada situação, de cada movimento, de cada desenrolar, de cada enrolar, de cada passo e de cada parada. De cada ida e cada vinda. Percebi que muito passa desapercebido.
Outra dia, enquanto dividia uma gigantesca e maravilhosa manta de plástico bolha com alguém (<3), tratei de enrolar a minha parte e torcê-la.
- Ei, calma aí. Assim não tem graça. Estoura um por um. É melhor.
A frase não foi só sobre o plástico. Sabe das conversas que só ficam nas entrelinhas?
E assim passei a estourar bolha por bolha e, quando lembro, estourar meus probleminhas de vida um por um, sem atropelos, sem enrolar nada, juntar tudo num só e fazer uma grande (pequena) explosão.
Mas não tem jeito. Tem horas que eu não lembro e quando vi já pipoquei tudo de uma vez.
As bolhas e os problemas. 
pode ser tudo

inclusive

nada