domingo, 20 de setembro de 2015

calor


O calor é insuportável. O quarto é quente e abafado. O contato do lençol na pele faz pinicar. A pouca roupa de pijama incomoda. 
O pobre ventilador não dá conta do recado, embora o ambiente seja minúsculo e a temperatura da noite caia e se torne mais amena, na teoria, e a janela esteja aberta na esperança de uma brisa que nunca vem.
O corpo dela é sempre morno, menos durante a gripe, quando ele esfria. No mais, constantemente morno. 
O dele é quente. Perfeito para os dias frios, quando deitar no peito  nu é absurdamente aconchegante. Quente como o sangue de um cavalo. Febril. Constantemente febril.
Quando se deitam para dormir, é impossível que durmam abraçados, como sentem vontade. O suor escorre pelas dobras das pernas e braços, escorre onde as peles se tocam, se grudam. O cabelo comprido precisa estar preso pra poupar a sensação de enforcamento pelos fios que colam no pescoço.
Ela se encosta na parede fria e ele chuta o cobertor desnecessário pra longe.
Mas para se fazerem presente um ao outro, os pés se tocam. 
Sempre.

sábado, 19 de setembro de 2015


Será que ela está feliz
ou se esconde na trégua
em que não nos falamos?

Eu rezo para não ter paz
no corpo dela.
Sua boca é vinho no inverno,
figo no verão.
Seu olhar fica flutuando sozinho,
a nudez para cima, ondulada
como as linhas de uma montanha.
Expondo-se ao sol
com uma dispersão selvagem.
Não me aproximo. Não a toco.
Sua solidão é exigente
e quer tudo. Menos a sabedoria
para se explicar.

(Carpinejar)



sexta-feira, 18 de setembro de 2015

decepção

A decepção que eu acho que é sua, na verdade é minha. É só o medo de que você me veja como eu me vejo.



quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Duas infelicidades
não conseguem dialogar.
Uma pretende eliminar a outra.

Roubo teu passado para abastecer
minha memória escassa e estreita.
Sou obrigado a me inventar 
para competir com o que viveste.

(Carpinejar)

teste de gravidez

-São dores de cabeça frequentes. Às vezes a pressão cai.
-Já parou pra pensar em gravidez? Meu deus, nem acredito, vou ser tia.
-Tá louca? Acabei de sair de uma menstruação.
-Eu menstruei dois meses enquanto tava grávida.
-Tá e daí? Não tô grávida.
-Você pode estar grávida sim, senhora!!!!!
-Pode mesmo...
(Aqui você percebe que são duas doidas me enchendo a cabeça. Eu já pensava nas fraldas.)
-Olha...
-O que? Gente, não tô buchuda. Sem chance.
-Você teve enjôo?
-Algumas vezes.
-Vomitou alguma?
-Não.
-Tá sentindo muito sono?
-Só o de sempre.
-Teve diarréia? É que eu tive diarréia.
-Eu não.
-Hmmmm.
-Ela vai fazer um teste de gravidez, é muito simples.
-Não vou, gente, não tô grávida.
-Ok, se não estiver, vai dar negativo.
-Meu deus e se eu tiver????? Bateu a neura. E se for, eu tô muito fodida, puta merda caralho. Me dá outro cigarro.
-Filho não é o fim do mundo não, doidona.
-E tem que saber logo se tá ou não, pra você parar de beber e fumar e cuidar do nosso sobrinho AI MEU DEUS UM BEBÊ NEM ACREDITO.
-Não tô grávida.
-Faz o teste, cacete.
-Nunca fiz um teste de gravidez.
-Olha a oportunidade aí.
-Quando a gente sair daqui, vamos pra farmácia.
-Gente...
-Menina, faz. Pra que medo?
-Eu sei que não tô prenhe, mas sou tão azarada que é capaz de dar positivo. Prefiro ignorar, o menino nasce e eu nem sei de nada. Pra mim as coisas são assim: se eu ignoro e não sei, ela não existe. Se eu tiver buchuda, tô é morta.
-Tu não tá doida. Fuma teu último cigarro, o possível último nos próximos dois anos.
-Tua cara.

-Olha. Como é isso aqui, maninha?
-Mija aqui nesse copinho, até essa marca.
-Tu vai mijar a mão, não vai ter jeito.
Risos.

-Ok, mijei no copo e qual o lado desse palito infeliz que eu boto nesse negócio?
-Esse. Vá lá.

-Pronto, tá de molho.
-PUTA QUE PARIU (gritos vindo do banheiro. O negócio ficou de molho em cima da pia)
-O QUE FOI?????????????
-DOIS PALITOS.
-TÁ ABESTADA? EU NÃO TÔ GRÁVIDA JESUS AMADO ME SEGURA AS PERNA TÁ AMOLECENDO.
-É brinks amiga, tá não, olha lá, deu negativo.
-Maldita infeliz. Dá licença que agora eu vou cagar de nervoso.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Disseram que era difícil demais me fazer feliz.
Mas por que demônios seria fácil?

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Não está chovendo
para abaixar a cabeça.
Cogitei desistir de mim, 
mas não de ti.
Fingia morrer
como quem dorme mais cedo
e acorda quando a casa dorme.

Os dias em que
não estava contigo
são criminosos.
Falta-me um álibi
para dizer onde estava.
Há dias que não existem
porque não me convenci em nascer.
É dolorido rir sozinho,
mais dolorido do que não rir.

O lago cansa de receber pedrada.
Cogitei desistir de mim,
mas não de ti.

No final de minha desistência,
um sol estranho, teu aceno
sem endereço,
o arbusto úmido,
nossa imagem desatenta,
acredito que não é tarde
e recomeço sem memória.
Deito e penso que foi um pesadelo,
que exagerei, enlouqueci,
que não tenho roupa para o luto,
que fui duro e confundi a tolerância
com a paciência.
Saio debaixo do meu corpo,
debaixo de minha infância.
Tomo um banho
mais longo em tua respiração.
Provo o pão e o mel é sábio.
Abro bem os olhos de cada palavra,
como quem pisa em telhas.
Um dia antes de morrer,
uma hora antes de morrer,
alguns minutos antes de morrer
e ainda não será tarde.
E sobrevivo contra mim,
depois de mim,
antes de mim,
em mim.

(Carpinejar)