domingo, 21 de setembro de 2014

Helena

Helena é uma moça de muita sorte na vida. Aos vinte e poucos anos, leva uma vida absolutamente normal. 
Os pais são casados há quase trinta anos, e brigam apenas por causa do valor da conta de luz que veio alta demais este mês. Tudo bem, vamos dar um jeito, concordam.
Helena e os irmãos só se desentendiam quando mais novos, pela posse do controle da tv, e hoje também. Me dá, que eu sou a mais velha, ela tenta e ri em seguida, se dando conta do quanto isso parece idiota depois dos dezesseis anos de idade.
Helena trabalha e estuda, mas nada sufocante. Se vira bem, assim. Sai com os amigos, se diverte.
Helena tem tempo livre, tempo disponível para si. E ânimo. Energia de sobra. Não reclama dos dias quentes, é bem humorada, divertida, engraçada. É bonita, bem querida. Aceita.
Helena não carrega medos ou ressentimentos, nem arrependimentos. Se arrisca, não é acomodada. 
Helena é corajosa, luta. No tempo livre faz aulas de dança, assiste à filmes, lê livros.
Helena não passa vontades. Desde que isso não prejudique ninguém. Imagine se ela ofenderia alguém...
Helena é sonhadora, altruísta, delicada, amorosa. Doce. Preserva um pouco de ingenuidade e inocência.
Helena teve uma infância normal. Sem solavancos, sem traumas, sem decepções. Exceto aquela, aos quinze, por conta do garoto do colégio. Primeira decepção amorosa. E última.  Até um bom dedo para namorados ela consegue ter.
Helena não está repleta de dúvidas e anseios. De angústias, desesperos internos. conflitos pessoais. Não sente apertos no peito antes de dormir, daqueles que sufocam. Nunca precisaria de terapia. Vai às missas aos domingos e se sente em paz com Deus.
Helena acha que não têm do que reclamar. E está certa. Certíssima.
Helena é feliz. Absolutamente. Acredita no amor, na paz, na paz mundial! Quem mais ainda leva fé nisso?
Helena é feliz.
Helena é pura utopia.
Helena não existe.
Helena é quem eu gostaria de ser.


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Por quê é que santo de casa não faz milagre?

Não entendo. A gente nunca está satisfeito com o que tem nas mãos. Sempre quer o que está além. Geralmente, o que não lhe pertence. A grama do vizinho parece mais verde.
Sua esposa não cozinha tão bem quanto a esposa do seu amigo. Você chegou a essa conclusão no jantar da noite passada, na casa dele. Mas você reparou que quando alguém almoça ou janta com vocês, sempre a enche de elogios quanto à comida?
E o seu filho, que não é igual ao filho da fulana, que sempre tira boas notas, ajuda em casa e etc etc etc e você se queixa constantemente, mas as pessoas sempre dizem quão educado e inteligente ele é?
Você sempre reclama que seu marido não é atencioso, mas sua irmã diz que se o marido dela fosse um terço do que ele é, já estava de bom tamanho.
Por que é que santo de casa não faz milagre, se é o santo que você mais conhece, tem mais intimidade, liberdade e todas essas coisas básicas que só a convivência trás?
É o santo que você mais deve tratar com carinho, que está com você todos os dias, e se esforça pra fazer os milagres que você raramente nota.
O ser humano é um eterno inconformado, é impressionante.
Olha pro teu santinho, aí em casa. Deixa o santo do outro pro outro, que se você levá-lo pra casa, as queixas serão as mesmas.
O defeito, infelizmente, nesse caso, está no fiel e não no santo.

domingo, 7 de setembro de 2014

A tristeza, ela aparece mesmo nos olhos da gente?

Onde trabalho, lido diretamente com pessoas. É um comércio. Vejo pessoas de todos os tipos. Educadas, grosseiras, simpáticas, mal encaradas. Aprendi que a maneira como alguém se veste, se arruma e anda por aí, não está de forma alguma ligado à quantidade de dinheiro que tem no bolso ou o limite do cartão de crédito. Aprendi que nem todo mundo vai responder o meu bom dia com a mesma cordialidade que lhe dei. Que muita gente, mais do que eu ou você possamos imaginar, precisa de um bom dia acompanhado de um sorrir para sentir que é visto, notado, que é alguém também. Já vi de tudo. Alguns são mais falantes. Perguntam sobre tudo, falam sobre o tempo, a novela, o jogo de futebol ou comentam sobre os gatos que perambulam livremente pelo escritório. Outros não dão brecha para o mínimo de liberdade. Vi casais discutirem na minha frente na tentativa de chegarem a uma decisão, mas também vi muitos olhares cheios de amor e carinho.Tem gente que nem agradece quando atendo e lhe dou a informação solicitada. Alguns perguntam meu nome, minha idade, se estudo, a quanto tempo trabalho ali, se gosto muito de gato e etc etc etc. Acho até que no quesito "lidar bem com pessoas" já estou preparada para ser jornalista.
Sobre essas pessoas que falam muito, que se dão liberdade e não tem receio, passei a ficar com um pé atrás depois de certo acontecimento.
Problemas, todo mundo tem.
Cada qual com o seu fardo.
Cada um que carregue sua cruz. 
Comigo não haveria de ser diferente. Era uma fase difícil. Estava afetada por uma eminente separação dos meus pais e essa era só a ponta do iceberg, por assim dizer. 
Poucas pessoas sabem quando não estou realmente bem, faço o máximo para não transparecer. Não quero ninguém envolvido no que é meu. Pelo jeito, faço muito mal.
Um homem alto, em torno de 45 anos de idade, bastante forte chegou no escritório e o atendi como faço com todo mundo. 
Ficou por ali, puxou conversa à toa. Pegou um dos gatos no colo. Atendeu um telefone. Reclamou do calor e ficou sentado embaixo do ar-condicionado.
Nesse meio tempo, recebi uma ligação da minha mãe, que me fez algumas perguntas e todas foram respondidas de forma evasiva. Quando desliguei o telefone, o homem perguntou meu nome, sentou de frente pra mim e começou:
"Marinara, veja bem. Você sorri, mas não sorri com a alma. Você é tão bonita. O que acontece? Levanta os ombros. Te ajeita. Você só vai ficar bem quando colocar toda essa amargura de lado, todo esse rancor. Se você ainda não tiver doente, sinto muito, mas vai ficar. Isso faz muito mal, pra você, pra sua mãe. Sua mãe é uma mulher incrível, e ela é quem conduz essa família, ela manda. Só ela. E você precisa ser o braço direito dela. Arruma sua postura, você não vai cair, tem uma luz tão forte, o mundo não tá nos seus ombros. Pensa mais em você, e sorria. Mas sorri de verdade."
Quando ele terminou de falar, eu não sabia o que dizer. Meus olhos estavam mais arregalados do que de costume. Sentia vontade de chorar por alguém me dizer aquelas coisas e medo, estava assustada. Alguém que eu nunca vi em toda a minha vida. Que eu mal sabia o nome, e agora nem lembro mais. Que tipo de espaço eu dei pra que isso acontecesse? 
De todos os pensamentos que tive, o único que saiu da minha boca foi "Como o senhor sabe essas coisas?" e ele se desculpou. 
"Me desculpa dizer essas coisas assim do nada. Mas eu tinha que falar. Eu vi você e tinha que falar. Preciso ir. Obrigada e até mais."
Fico pensando se meus olhos pediam socorro naquele dia, e eu não ouvi.
Foi absurdamente estranho como tudo aconteceu. Não sei de que religião ele era, se algum espírito ou anjo falou algo, ou se ele era clarividente. Tem muitos "ou" na minha cabeça, que sempre terminam em "sei lá" quando lembro do episódio, mas desde então eu sou extremamente cuidadosa com a minha postura.