sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Chinelos de pés trocados

É engraçado o sentimento de alegria que me invade quando presencio um ato de gentileza inesperado. É como se eu sentisse uma cosquinha nos cantos dos lábios, a esperança na humanidade fosse, nem que minimamente, renovada, e eu sorrio inconscientemente. Adoro a sensação.
Essa tarde estava na biblioteca pública da cidade. É um lugar sempre cheio de gente que vai estudar, que vai matar o tempo lendo HQs, mangás, ou para ver filmes na filmoteca. Enquanto esperava minha carona, me deparei com uma cena que me prendeu a atenção. Na verdade, duas cenas simultâneas, paralelas, que se tornariam uma só, em poucos passos.
Um rapaz, funcionário da biblioteca, vinha à passos lentos e atenciosos em direção à porta. Usando-o de apoio, no seu encalço, um senhor bastante alto, com uma bengala em uma das mãos enquanto a outra repousava confiante sobre o ombro do rapaz, permitindo que este o guiasse. Deficiente visual, é claro.
Em segundo plano, mas não menos importante para a observadora que vos escreve, vinha em direção à saída também, uma senhora, provável moradora de rua, vestindo farrapos e chinelos de pés trocados. Arrumava os cabelos passando a mão rapidamente. Andava ao lado de meus primeiros personagens, mas não junto.
Ela me parecia desatenta ao que acontecia a sua volta, de modo geral. Engano meu.
De repente ela apressou os passos e chegou a porta de vidro da saída e abriu.
E segurou.
E esperou o rapaz passar conduzindo o senhor.
O jovem sorriu a ela em agradecimento, e tomou o caminho da direita. Ela soltou a porta e tomou o rumo da esquerda. Não deu importância ao seu gesto de gentileza, como se não fosse grande coisa. Mas eu dei, e senti a cosquinha no meu rosto e sorri.
Ver atitudes como essas, de pessoas improváveis, quando você menos espera, é como ver uma flor brotar no lixão.
Nessa sociedade corrompida em que vivemos, cheia de egoísmo e falsa moral, eu dou o maior valor do mundo a quem anda com os chinelos trocados e corre abrir a porta para quem precisa.
Ps. Nossa biblioteca disponibiliza um acervo literário em braile para os deficientes visuais. Então, não raro você cruzará com algum deles se vier à Biblioteca Pública do Estado do Acre.

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