sexta-feira, 17 de julho de 2015

mar


Sessenta anos de idade e nunca havia posto os olhos no mar. 
Só pela televisão. 
Eu via aquela imensidão azul esverdeada ou verde azulada e pensava no quão incrível poderia ser.
A curiosidade enchia meu peito de esperança e meu sonho de conhecer tamanha perfeição, fazia meu coração palpitar só de imaginar.
Quando meu filho disse que passaria as férias no litoral e eu iria junto com ele, sua esposa e a minha netinha, eu brinquei.
-Menino, assim tu mata o velho. Não tenho mais idade pra piada.
Não era piada. Íamos pro litoral, eu conheceria aquele mundo de água. 
Pela janela do carro, durante a viagem, eu observava a paisagem. O dia começava a clarear e um cheiro característico invadiu minhas narinas. 
-Maresia, pai. Tá sentindo?
Estávamos perto. 
O carro seguia pela rua principal da pequena cidade litorânea e no final de uma das ruas paralelas, vi algo que me chamou a atenção. 
Na rua da quadra seguinte, o vi de novo. Será que era mesmo? Olhei pra pequena menina e ela dormia confortavelmente esparrada pelo espaço vazio do banco. Eu queria mostrar à ela, mas parecia um crime acordá-la.
-Filhão, é o mar?
-Estamos bem perto, pai. Fica olhando. 
Fixei meus olhos pela janela. Eu queria vê-lo.
E lá estava o majestoso. 
Senti meu coração acelerar e eu queria descer do carro e correr até ele o mais rápido que a idade me permitisse.
Meu filho quis ir ao hotel primeiro, tomar café da manhã, check-in e com tempo e a bebê bem acordada, iríamos à praia.
Eu concordei um pouco desanimado, a empolgação parecia só minha. Ou talvez eu só estivesse mais animado que os demais.
Nos instalamos, tomamos um farto café da manhã. Minha nora, gentilmente, nos lambuzou de protetor solar.
-Não queremos ninguém torrado de sol, né? 
Chegamos ao calçadão e eu fiquei estático. Era muito maior que na tv. E que cheiro delicioso. Que vento maravilhoso. Balançaria meus cabelos, se ainda os tivesse.
Olhei para o meu filho, que segurava aquela boneca no colo, e nos olhos dele vi algo muito familiar. O brilho de felicidade que eu só via nos olhos da mãe dele.
Há muito tempo eu não via duas estrelas brilharem tão perto de mim daquela forma, desde que a vida me fez viúvo. Então eu sabia que a empolgação, encantamento, felicidade, curiosidade não eram só minhas. 
O vi passar a menina para o colo de sua esposa e ele rapidamente pegou na minha mão.
-Vem, pai. Vamos experimentar a água. 
Meu filho já conhecia o mar, mas sempre soube do meu desejo.
Caminhamos pela areia e ela estava tão morna... A sensação era de que meus pés estavam sendo abraçados por anjos. Beijados, massageados por eles.
Ao chegar na parte molhada, onde as ondas quebravam, eu não consegui dar nenhum passo.
As ondas iam e vinham devagar, até chegar na Beira da praia. Lavava os nossos pés, levava a areia debaixo deles, fazendo que eles afundasse um pouco. 
E era imenso. Ia até onde a vista alcançava. Eu estava embasbacado e não fazia a mínima força pra esconder minha admiração. 
-Mamãe ia adorar.
Eu ouvi a frase e o sorriso que brotou nos meus lábios, milagrosamente rejuvenescidos pelos ventos da mar (era assim que eu me sentia), foi instintivo. 
Senti uma mãozinha, pequenininha, segurar a minha mão envelhecida e cheia de marcas do tempo. A pele macia e delicada contrastava com a minha, que era grossa, calejada.
Olhei pra baixo e vi um narizinho rebocado de branco. Proteção solar. Um chapéu azul caia sobre os olhos, mas a luz forte do sol não deixavam de afetar aqueles olhinhos, que estavam apertados pelo incômodo dos raios.
-Onde acaba, vovô? 
A voz infantil perguntou atropelando as palavras. 
Me abaixei e a peguei no colo. O tempo passou voando desde o seu nascimento e de repente ela já tem quatro anos e é absurdamente esperta.
-Acaba bem longe daqui, meu amor. Bem longe.
-Longe igual a vovó tá? 
-A vovó tá bem pertinho. - Meu filho se apressou em responder, - Aqui dentro do seu coração. 
Sabe quando você quer que um momento dure pra sempre? É o que penso sempre que olho a foto que a minha nora tirou. Eu, meu filho, minha neta e a imensidão verde azulada ou azul esverdeada.



Tema do desafio: A primeira vez que alguém viu o mar. Alguém idoso.

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