quinta-feira, 2 de julho de 2015

foto grafia

Imagens congeladas a apavoravam. Nunca se deixou ser fotografada.
Não queria ser impressa num pedaço de papel. A vontade era viver em movimento dentro dos pensamentos de alguém. 
Os registros que existiam foram feitos pela mãe, durante os primeiros anos de vida.
Fugia das câmeras nas festas de aniversário, no colégio, com as amigas, namoradinhos.
Sempre dizia: "me deixe dançar dentro de você, aqui, na sua cabeça".
O sorriso depois do pedido era tão largo e sincero e convincente, que era praticamente impossível não atendê-lo.
O curso da vida seguia tão naturalmente quanto podia, enquanto podia.
Era um dia bonito e ela andava de forma tão graciosa, que mal podia-se ver seus pés tocando os paralelepípedos da calçada.
Até que ela o viu.
E o tempo desacelerou. As pernas falharam. O ar fugiu dos pulmões.
Cabelos negros perfeitamente desarrumados. Olhos marrons, da cor de chocolate. Chocolate derretido em banho-maria. Mãos pálidas, de dedos finos e compridos, e um anel prateado no dedo indicador esquerdo, manuseavam uma câmera fotográfica com habilidade.
Ele focava o alto dos prédios, como quem enquadra o céu também. 
Percebeu-o fotografando, discretamente, um casal que passava de mãos dadas.
Não foram só os traços incomuns que prenderam a atenção dela. A graça no olhar, o carinho com que segurava o objeto, o sorriso satisfeito depois de cada clique perfeito.
Ele fotografava por amor.
Uma buzina na rua a despertou dos devaneios. Respirou bem fundo buscando coragem para se aproximar daquele homem e foi.
"Com licença. Desculpe o incômodo", as palavras saiam desenfreadas e ele sorriu de volta. Apertou a mão dela, em cumprimento, com firmeza e delicadeza ao mesmo tempo, perguntando no que podia ajudá-la.
"Eu queria que você me fotografasse, uma vez", ela proferiu em sussurro, de olhar baixo, sentindo-se atrevida e inconveniente, quase culpada.
Ele tomou a câmera nas mãos com agilidade e destreza e a puxou delicadamente até onde julgara possuir boa luz.
"Sorria", ele pediu.
Mas ela não sorriu.
Ele a registrou. Ela agradeceu e disse não querer a foto. foram embora e nunca mais se viram. 
E ela conta que se permitiu ser fotografada uma vez, por alguém que amava o que estava fazendo. E foi só essa vez.





Tema do desafio: A primeira e última vez que ela se permitiu ser fotografada.



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